Título: O FIM DE UM BIPARTIDARISMO
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Fonte: O Globo, 30/03/2006, O Mundo, p. 31

Premier israelense terá de formar governo num cenário político inédito no país

JERUSALÉM

Oprimeiro-ministro israelense em exercício, Ehud Olmert, ensaiou ontem os primeiros e difíceis passos para costurar uma coalizão de governo, um dia depois da vitória apertada nas eleições parlamentares que deu a seu partido de centro, Kadima, uma das maiorias parlamentares mais fracas da história de Israel: 28 das 120 cadeiras. O ex-premier Shimon Peres, um dos principais dirigentes do Kadima, declarou:

¿ Acho que podemos governar com 28 cadeiras. Será difícil, mas é possível.

As eleições mudaram o cenário político de Israel com a vitória de um partido criado há quatro meses, o desmoronamento do Likud (que dominou o país durante quase 30 anos e obteve apenas 11 cadeiras) e os surpreendentes crescimentos do Partido dos Aposentados (sete cadeiras) e dos extremistas de direita do Israel Nossa Casa (12 cadeiras). Israel se despediu de um bipartidarismo, já que desde sua criação, em 1948, os trabalhistas e o Likud se alternavam no poder.

¿ Os blocos ideológicos de esquerda e direita não representam mais o eleitor israelense, que deseja agora soluções pragmáticas ¿ analisou Yehudit Auerbach, professora de ciências políticas da Universidade Bar Ilan, em Tel Aviv.

Auerbach alertou para o crescimento de um movimento corporativista (dos aposentados) e o mais alto índice de abstenção da história do país (36,8% dos eleitores não votaram):

¿ Os dois fenômenos mostram um desinteresse pelo sistema político em geral e pelos partidos políticos considerados corruptos pelos jovens ¿ afirmou, observando que quase metade dos eleitores do Partido dos Aposentados têm menos de 25 anos.

Gideon Doron, professor de ciências políticas na Universidade de Tel Aviv, compartilhou a opinião:

¿ As eleições mostraram que existe agora um voto interessado. Os eleitores querem soluções concretas para seus problemas pessoais e de segurança, além de desejar a separação unilateral dos palestinos.

Divergência entre Olmert e parceiros

Segundo analistas, Olmert deverá evitar negociações com partidos de direita que se opõem a seu plano de remover colônias judaicas da Cisjordânia, transferindo estimados 65 mil colonos (um terço do total) para assentamentos maiores no mesmo território palestino. O premier deverá recorrer aos trabalhistas (com 20 cadeiras, a segunda força no Parlamento) e a partidos que elegeram de quatro a 13 deputados, entre os quais o dos aposentados.

As negociações para a coalizão começam oficialmente domingo. Olmert teria o apoio de pelo menos 70 deputados para iniciativas ligadas à paz com os palestinos. Mas as iniciativas deverão ser unilaterais, um vez que o novo governo palestino ¿ que tomou posse ontem ¿ é liderado pelo Hamas, grupo radical que não dá sinais de que cederá a exigências como aceitar acordos de paz e reconhecer o Estado de Israel. Em seu discurso de vitória, o premier israelense afirmou:

¿ Não há alternativa melhor do que um acordo fundamentado numa negociação baseada no reconhecimento mútuo, no Mapa da Paz (plano internacional para pôr fim ao conflito), nos acordos existentes, no fim do terrorismo e no desarmamento dos grupos terroristas.

Olmert e seus futuros sócios rejeitam o diálogo com os radicais se eles não aceitarem suas exigências. Mas a principal divergência entre o herdeiro do premier Ariel Sharon (em coma) e seus prováveis parceiros estaria no papel do presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas. Os trabalhistas e o Meretz consideram-no um interlocutor legítimo, mas o premier não faz uma separação entre ele e o premier Ismail Haniyeh, do Hamas.

A União Européia se dispôs a trabalhar com o novo governo israelense para promover a segurança e a paz. Já o presidente George W. Bush convidou Olmert para um encontro na Casa Branca após a formação do governo.