Título: FÁBRICAS DE CRIAÇÃO
Autor: Cristina Zarur
Fonte: O Globo, 01/04/2006, Prosa & Verso, p. 6

Oficinas literárias fazem sucesso em todo o país e atraem aprendizes de escritor

Há 10 anos, quando montou a Estação das Letras, a escritora Suzana Vargas procurava um espaço destinado a difundir literatura, formar leitores e estimular novos autores. A iniciativa tomou fôlego e demonstrou ser um empreendimento auto-sustentável. O balanço deste período indica que cerca de 15 mil alunos passaram por 1.500 cursos oferecidos. Aprendizes de escritores tiveram contato com técnicas narrativas de diversos gêneros literários em aulas ministradas por autores que dominam o ofício.

Oficina, laboratório, curso de criação textual, não importa a nomenclatura usada para definir estes celeiros na formação de escritores. Atualmente, as oficinas literárias catalisam um número cada vez maior de interessados em desenvolver seus próprios contos, poemas, romances e roteiros. Desde a década de 30, quando a prática apareceu nos Estados Unidos, inicialmente nos campi universitários, o conceito vem se propagando pelo mundo. As oficinas se transformaram num espaço de criação propício à leitura, ao debate e, principalmente, ao exercício da escrita.

No Brasil, o fenômeno não é novidade. O pioneirismo remonta aos anos 60, quando o escritor Cyro dos Anjos montou oficinas literárias na Universidade de Brasília. No Rio, a Oficina Literária Afrânio Coutinho (Olac), idealizada pelo ensaísta e crítico literário Afrânio Coutinho, tornou-se um marco cultural nos anos 80 ao promover cursos e seminários. Hoje, as oficinas se alastram pelo país, e não estão circunscritas ao âmbito acadêmico. A demanda por cursos literários cresceu, e muitos escritores começaram a ensinar técnicas narrativas. Nomes consagrados, como João Gilberto Noll e Sérgio Sant¿Anna, já deram aulas nos chamados laboratórios ficcionais.

Como nasce um escritor? Não basta inspiração nem talento, decreta Raimundo Carrero. Há muito trabalho, um contínuo exercício de aprendizado e aperfeiçoamento da técnica. Desde 1987, o escritor pernambucano organiza oficinas literárias em Recife e pelo Brasil afora. O trabalho nas oficinas particulares também se estende às populações carentes num projeto que tem patrocínio de empresas públicas.

Carrero empenha-se em transmitir seus conhecimentos e experiência, tanto que lançou no ano passado ¿Os segredos da ficção¿, um guia da arte de escrever. Suas oficinas têm público cativo. Ele é um mestre carismático, daqueles que não impõem fórmulas prontas aos alunos.

¿ Minha tarefa é descobrir dentro do texto de cada aluno quais as técnicas que ele tem intuitivamente, e então, a partir daí, trabalhar com a técnica clara e objetivamente. Digo ao aluno o que ele pode fazer para melhorar. Indico leituras e dou sugestões. Não é possível ditar regras ¿ diz o escritor.

A Estação das Letras compartilha a idéia de que é possível dominar as técnicas narrativas, mas é preciso dedicação e leitura.

¿ A Estação não transforma ninguém em escritor, mas indica caminhos de trabalhos ¿ diz Suzana Vargas, para quem por trás de um grande escritor há um grande leitor.

Os cursos da Estação geralmente duram quatro meses e formam grupos de 10, 15 alunos. No momento, entre as oficinas oferecidas, há uma de contos e outra de crônicas, dadas respectivamente pelo escritor Jair Ferreira dos Santos e pelo jornalista Mauro Ventura. Além das oficinas, a Estação estabelece parcerias com empresas e espaços culturais, como o Armazém Digital, organizando seminários e workshops. Também promove um serviço de pareceres, em que o autor iniciante paga para ter seus originais avaliados por um escritor ou crítico literário.

Carrero e Suzana dizem que não há um perfil típico dos alunos. São pessoas interessadas em literatura, heterogêneas e de várias idades. Alguns desejam ser escritores, mas há aqueles que querem apenas aprender a escrever bem, quer por motivação profissional ou simples prazer. Geralmente, os alunos são profissionais liberais e estudantes que buscam ferramentas fora do eixo acadêmico. As oficinas, segundo Suzana Vargas, acabam estimulando reuniões fora das salas de aulas.

¿ A oficina não é curso. Curso tem uma tarefa pedagógica. Oficina é um aprendizado constante, um local para o aluno encontrar amigos com as mesmas idéias, e daí pode naturalmente formar grupos ¿ diz Carrero.

Internet é ferramenta para divulgar iniciantes

As oficinas literárias não são inéditas na internet. O escritor João Silvério Trevisan coordenou, entre 1999 e 2005, dois projetos: o ¿Balaio de textos¿, no qual os participantes discutiam online textos literários; e a ¿Oficina virtual de texto literário¿. Indo ao encontro desta idéia está o novo projeto de Carrero. No site do escritor, os internautas podem enviar textos para serem analisados e participar da oficina virtual.

Entre os exemplos de oficinas literárias de êxito, destaca-se a do escritor Luiz Antonio de Assis Brasil, que há 21 anos está à frente da ¿Oficina da PUC¿, vinculada ao programa de pós-graduação em letras da universidade. Ao longo destes anos, foram publicadas 35 antologias com os textos dos alunos e, entre os muitos participantes que estudaram lá, 42 autores publicaram 60 títulos. A oficina tem revelado nomes de peso, como os de Amílcar Bettega Barbosa e Cíntia Moscovich.

Em seu site, Assis Brasil discorre sobre a gênese das oficinas e enumera algumas vantagens, como o fato do aluno se obrigar a uma produção constante e as conquistas técnicas serem mais rápidas, decorrentes da sistematização. O escritor rebate a crítica de quem considera que os alunos acabem produzindo textos uniformizados. ¿...as discussões coletivas dos textos propiciam diversidades estilísticas e de conteúdo, fazendo com que o aluno se aventure pela inovação estética¿, escreve no site.