Título: REFORMA INEVITÁVEL
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Fonte: O Globo, 01/04/2006, Opinião, p. 6

Opresidente Jacques Chirac fez o que dele se esperava e comprometeu-se a fazer o que seria melhor evitar. Em discurso à nação anunciou que vai promulgar a lei do primeiro emprego, ignorando semanas de protestos de rua em Paris e outras cidades da França; e prometeu emendá-la antes de entrar em vigor.

Justiça salomônica ou apenas um recurso para ganhar tempo? Com a mão direita, apoiou o primeiro-ministro Dominique de Villepin, que insiste, agora também para salvar sua carreira política ¿ ele pretende candidatar-se à presidência em 2007 ¿ na aplicação imediata e sem alterações do novo Contrato de Primeiro Emprego. Sustenta Villepin que só a flexibilização das rígidas leis trabalhistas do país abrirá as portas do mercado de trabalho para os jovens. Com a mão esquerda o presidente quis agradar a líderes sindicais e estudantis, e aos milhões de manifestantes que têm demonstrado, violentamente, o seu repúdio à lei, na qual vêem apenas uma porta larga e escancarada para a demissão.

Chirac tenta um difícil exercício de contorção política, que talvez acalme os ânimos ¿ o que já é alguma coisa na França agitada e dividida das últimas semanas. Mas justamente por buscar uma saída política imediata não vai à raiz da crise, de fundo econômico. A economia francesa ¿ por excesso de regulação e intervenção do Estado ¿ tem sido incapaz de adaptar-se às forças desencadeadas pela globalização e, conseqüentemente, de criar empregos. Não por acaso o índice de desemprego entre os jovens chega a 22%, muito acima da média nacional de 9,6%, uma das mais altas da Europa.

Também não deve ser por acaso que os protestos contra a flexibilização das leis trabalhistas vêm perturbar a França quando as feridas causadas pela revolta dos jovens imigrantes da periferia ainda estão abertas. Enquanto uns fazem barulho para não sair, outros recorrem ao vandalismo para que os ouçam e deixem entrar. Fosse a economia francesa maleável e dinâmica é provável que todos tivessem uma oportunidade.

A sobrevivência obriga Chirac, Villepin e outros dirigentes a fazerem acordos e concessões. Mas à França, se quiser sobreviver, só resta o caminho da reforma.