Título: É HORA DE CONTRIBUIR
Autor: D. EUGENIO SALES
Fonte: O Globo, 01/04/2006, Opinião, p. 7

Com a quaresma, inicia-se, em todo o território nacional, a Campanha da Fraternidade. Este ano tem por tema: ¿Fraternidade e pessoas com deficiência¿ e o lema: ¿Levanta-te e vem para o meio¿, palavras de Jesus no Evangelho de São Marcos (3,3).

Revendo documentos referentes às origens desse grande esforço da Igreja no Brasil, julguei útil trazer a lume alguns aspectos que motivaram seu surgimento e são, ainda, válidos em nossos dias.

Muitos projetos de ajuda financeira eram dirigidos a outras nações, particularmente a ¿Aktion Misereor¿, do Episcopado Alemão. Na Arquidiocese de Natal, alguns dirigentes do Serviço de Assistência Rural (SAR) julgaram ser importante criar, entre católicos, uma mentalidade de cooperação local com as obras pastorais e sociais da Igreja, dando, assim, maior credibilidade aos pedidos feitos ao estrangeiro. Um jovem sacerdote potiguar, estudando na Europa e passando as férias na Alemanha, trouxe todo o material da estrutura da ¿Misereor¿ e a divulgação de suas campanhas. Na sede do Movimento de Natal, os subsídios vindos da Europa foram traduzidos e adaptados à realidade brasileira. Escolheu-se também o nome: Campanha da Fraternidade, por ocasião da quaresma, a cada ano. Não tinha pretensões nacionais, reduzindo-se apenas àquela circunscrição eclesiástica e, possivelmente, à área do Nordeste.

A primeira Campanha da Fraternidade ficou restrita à Arquidiocese de Natal, em 1962. A coleta rendeu um milhão de cruzeiros, importância que corresponde, hoje, em torno de R$47.700. A segunda, na quaresma de 1963, abrangeu 25 dioceses do Nordeste. O aviso da Cúria nº 5/1963, sobre o assunto na Arquidiocese de Natal, trazia elementos valiosos: ¿Em todas as matrizes, igrejas, capelas, escolas e também no comércio, far-se-á uma grande coleta em favor das obras apostólicas e sociais da arquidiocese¿. Referia-se ao costume, iniciado nos Estados Unidos e países europeus, de designar um dia para angariar donativos destinados à Igreja e ao mundo subdesenvolvido. E continuava: ¿Entre nós, iniciamos no ano passado essa campanha, que encontrou muita receptividade em nossas comunidades paroquiais. Ela é feita neste tempo para significar o sacrifício de toda a comunidade diocesana na quaresma, em favor de seus irmãos.¿ Assina-o o vigário geral. O secretário da Cúria dá outras indicações e providências em documento também publicado no jornal diocesano, ¿A Ordem¿, de 9 de março de 1963.

Em 1964, a notícia, no mesmo periódico, em 15 de fevereiro, traz o seguinte título: ¿Campanha da Fraternidade realiza-se, este ano, em todo o Brasil¿. Assim começa a matéria: ¿Iniciou-se nesta semana a quaresma e, com a quaresma, a 3ª Campanha da Fraternidade, em Natal. Este ano, pela primeira vez, saiu como `Campanha Nacional com Dioceses¿ em todo o país, tendo as mesmas finalidades. Trata-se de uma oportunidade de os fiéis assumirem suas responsabilidades na manutenção das obras católicas. A ênfase é ser `Campanha mais formativa que promocional¿. Inclui outros colaboradores: `entidades comerciais da cidade comprometeram-se a dar pleno apoio à Campanha¿.¿

No opúsculo, ¿Campanha da Fraternidade, 20 anos de serviço à missão¿, publicado em 1983 pela CNBB, na página 21, há uma correspondência do então secretário geral, Dom Helder Câmara, a todos os bispos do Brasil, com data de 26 de setembro de 1963. É a transição de âmbito local para o nacional. O assunto fora tratado pelo episcopado, reunido, em Roma, para o Concílio Vaticano II e aprovado a 20 de dezembro do ano seguinte.

Julguei oportuno refletir sobre algumas idéias que fizeram nascer e crescer essa benemérita iniciativa. Entre outros casos destaco: o dever de cada católico na manutenção das obras destinadas à expansão do Reino de Deus. Uma frase era repetida nas origens: ¿Pedimos justiça, não esmola¿; o fortalecimento do espírito comunitário, quer paroquial, quer diocesano. Somos fortes quando agimos como ¿membros¿ de uma comunidade viva.

A quaresma é um tempo de penitência e de contribuir para os objetivos da campanha, não apenas com o supérfluo, mas com o que nos custa. Significa cumprir o espírito deste tempo litúrgico.

¿Não se trata de uma campanha para angariar esmolas. Trata-se de um apelo à participação ativa de todos os cristãos e homens de boa vontade na construção de uma sociedade mais justa. É um grito que vai ecoar por todo o Nordeste.¿ Eis um trecho de um dos boletins publicados como matéria de divulgação no início dessa promoção.

A vivência da quaresma tem, na Campanha da Fraternidade, um valioso estímulo. Tempo de conversão, que se manifesta na fraternidade entre os discípulos do mesmo Jesus Ressuscitado.

D. EUGENIO SALES é cardeal-arcebispo emérito da Arquidiocese do Rio.

Somos fortes quando agimos como integrantes de uma comunidade viva