Título: UNIÃO PARA TIRAR `FALCÕES¿ DAS GARRAS DO TRÁFICO
Autor: Maria Elisa e Vera Araujo
Fonte: O Globo, 01/04/2006, Rio, p. 18

Autoridades das áreas da infância e da segurança pública debatem documentário no GLOBO e propõem soluções

A união de esforços é uma das saídas para evitar que nasçam outros ¿falcões¿. Depois de assistirem ontem ao documentário ¿Falcão ¿ Meninos do tráfico¿, exibido na série Encontros O GLOBO, o produtor do filme, MV Bill, e autoridades ligadas às áreas da infância, da adolescência e da segurança pública concluíram durante o debate que é necessário que governos e sociedade civil deixem os preconceitos de lado e tentem unir, mais do que uma cidade partida, dois Brasis. Um deles, o mais triste, identificado nas cenas do filme.

Desembargador diz que é preciso romper a inércia

Após ver menores falando abertamente sobre o consumo de drogas, o assassinato de delatores, a corrupção policial e a falta de esperança numa vida melhor, o público participou de um debate mediado pelo jornalista Mauro Ventura. Os debatedores foram a ministra-chefe da Secretaria Especial para Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro; o desembargador e ex-juiz de menores Siro Darlan; o sociólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança Pública; a chefe do setor de investigações da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), inspetora Marina Maggessi; e um dos produtores do filme, MV Bill.

O desembargador Siro Darlan foi um dos que clamaram pela participação da sociedade civil, principalmente empresários, para tentar impedir a entrada de novos meninos no tráfico:

¿ Precisamos sair da inércia. É preciso que vários e vários empresários entendam que se nós não investirmos no social não vamos sobreviver nem andar nesta cidade. Teremos que estender a mão para esses meninos, deixando de fechar o vidro do carro. Se nós quisermos assumir esse compromisso, temos condições de mudar o quadro. Se não, tudo fica como dantes. E vai ficar cada vez pior.

A ministra fez coro:

¿ Governo, sociedade civil, artistas, jovens, mães devem se sensibilizar para repensar como nós podemos unir esforços e repensar nossas ações.

A diferença entre a realidade dos ¿falcões¿ ¿ menores que se posicionam em pontos estratégicos de uma favela para vigiar a área para o tráfico ¿ e a do resto da população foi um dos temas debatidos com a platéia que lotou o auditório do jornal. MV Bill lembrou que a distância entre esses dois Brasis não é meramente geográfica.

¿ Esta separação é às vezes feita por uma cerca, por um muro, por um circuito interno de TV. A distância só diminui quando uma bala perdida que atravessa as casas do morro chega num apartamento da Zona Sul ¿ disse MV Bill.

A desigualdade, segundo a ministra, é histórica. Ela citou a escravidão e a forma pela qual a abolição foi feita:

¿ Até 13 de maio de 1888, boa parte da população brasileira era escrava. No dia 14 era livre, porém sem casa, trabalho, acesso à escola, sem fazer parte efetiva do Brasil. Essa realidade de dois Brasis não é nova, faz parte da nossa história.

Um dos temas que a platéia fez questão de abordar foi a corrupção policial, da qual os meninos falam com freqüência no documentário. Um dos entrevistados chega a afirmar que, se o tráfico acabar, a polícia também terá fim, já que o suborno seria uma espécie de complementação salarial da categoria. A inspetora Marina Magessi disse não estar defendendo a categoria e lembrou que não é só o traficante que oferece suborno:

¿ Grande parte da população prefere encontrar um PM, um policial civil que aceite R$10 do que pagar uma multa de R$500. Nós vivemos uma hipocrisia tremenda. Um policial já sabe que o salário é de R$800. A questão é: a quem interessa uma polícia baratinha para ser colocada no bolso toda a vez que o cidadão infringe a lei?.

A segurança pública também foi criticada por Luiz Eduardo Soares. Segundo ele, a polícia faz incursões bélicas em favelas, como se elas fossem territórios inimigos. O resultado, segundo ele, são mortes de policiais e bandidos:

¿ Se os resultados que estamos obtendo são esses, tantas mortes, tantos sacrifícios, o aprofundamento dos abismos que separam a comunidade do asfalto, temos que perguntar por que nos permitimos essa política, se ela é fracassada.

Luiz Eduardo divertiu a platéia ao contar que tem um amigo americano que, quando vem ao Brasil, fica irritado porque as pessoas não o entendem. A irritação o leva a falar mais alto, como se assim ele pudesse ser compreendido:

¿ A nossa política de segurança pública parece com meu amigo. Quando não funciona, nós fazemos mais. Se é um fracasso absoluto, então nos repetimos com mais garra, energia. Já é o momento de substituirmos essa política de guerra por uma política racional.

Luiz Eduardo: ¿Temos que competir com o tráfico¿

O sociólogo sugeriu que a sociedade e o tráfico façam uma competição pelos ¿falcões¿:

¿ Temos que disputar com o tráfico, competir menino a menino. Se eles vão para o crime é porque o tráfico oferece benefícios e vantagens, sobretudo valorização da auto-estima, afirmação pessoal, acesso a consumo. Temos que oferecer no mínimo esses mesmos benefícios, com sinal trocado, e disputar esses meninos. Não é possível que nossa sociedade, poderosa e rica como a nossa, não seja capaz de disputar com esses meninos de chinelos de dedo.

Marina propôs que a mídia ajude a agregar pessoas que chamou de ¿heróis sociais¿:

¿ Tem muita gente a fim de ajudar, querendo saber onde bota o dinheiro. A mídia poderia ajudar a fazer pontes.