Título: Homem-bomba mata brasileira
Autor: Renatra Malkes
Fonte: O Globo, 01/04/2006, O Mundo, p. 39

Carioca, seu marido e dois jovens são vítimas de terrorista palestino disfarçado de judeu

Acarioca Helena Halevy, de 59 anos, é uma das vítimas de um atentado suicida que matou quatro civis na noite de quinta-feira, a menos de 40 metros da entrada do assentamento de Kedumim, no norte da Cisjordânia. Helena foi morta junto com o marido Rafi Levy, de 60 anos, e dois jovens israelenses quando voltava de uma festa de família na cidade de Petach Tikva. Segundo o Exército israelense, o casal parara o carro para dar carona a uma jovem, um adolescente e um terrorista disfarçado de judeu ortodoxo, que detonou explosivos dentro do carro. Socorristas disseram que o carro ficou em chamas por mais de uma hora, o que dificultou a identificação dos corpos.

De acordo com outros relatos, o terrorista forçou a entrada no carro quando o casal parou para dar carona aos jovens. Estes foram identificados como Shaked Lasker, de 16 anos, e Reut Feldman, de 20, que servia no Exército israelense. O atentado suicida foi o primeiro dos últimos dois meses. Em reação, o Exército israelense realizou uma operação horas depois na Cisjordânia, prendendo oito suspeitos, entre os quais um irmão do terrorista suicida. As fronteiras de Gaza e da Cisjordânia foram fechadas por tempo indeterminado.

Nascida em Copacabana, Helena vivia há 41 anos em Israel e há pelo menos 20 em Kedumim, para onde se mudara com o marido após o nascimento dos quatro filhos: Oded, Guilad, Naama e Neta. O casal tinha três netos e, segundo familiares, era querido e admirado na comunidade. Helena trabalhava na creche de Kedumim. Depois de anos como funcionário da segurança da colônia, Rafi passara a trabalhar com jardinagem. Pnina Kassler, prima de Helena, contou que sua mãe, Debora Shilovitzki, moradora de Jerusalém, entrou em estado de choque ao receber a notícia. Helena, afirmou, era muito ligada ao Brasil e ia ao Rio todos os anos para visitar o pai e o resto da família.

¿ Todo verão ela fazia questão de ir ao Rio e já tinha até reservado a passagem para a próxima visita. A casa deles estava sempre aberta aos vizinhos. Eles ajudavam a todos. Eram mesmo carinhosos, prestativos e tinham um grande coração, como a maioria dos brasileiros. Era uma família linda ¿ disse Pnina.

Hamas diz que ataque foi legítimo

O embaixador do Brasil em Israel, Sérgio Moreira Lima, considerou o episódio lamentável e se pôs à disposição da família. De acordo com as primeiras investigações, o alvo do terrorista era a colônia. Testemunhas afirmaram que Rafi dirigiu o carro alguns metros antes de o palestino detonar os explosivos. Para a tia de Helena, Tova, também moradora do assentamento, Rafi foi um herói por evitar que o terrorista entrasse no assentamento e causasse um desastre ainda maior. Emocionada, ela disse ao GLOBO, por telefone, que conversou com Helena poucas horas da explosão.

¿ Não consigo acreditar. Com o bom coração de Rafi, eles acabaram morrendo por darem carona a um desconhecido ¿ afirmou.

Tova disse que o enterro será realizado domingo, para que parentes do Brasil cheguem a tempo.

As Brigadas dos Mártires de al-Aqsa, braço armado do partido Fatah, assumiram a autoria do ataque. O terrorista foi identificado como Ahmed Mahmoud Masharka, de 24 anos, da aldeia de El-Buraij, próxima à cidade de Hebron, na Cisjordânia. Num vídeo de despedida, ele disse que retaliava ¿repetidos ataques¿ aos palestinos que resultariam ¿num mártir após o outro¿. Reunidos em El-Buraij, parentes dele se disseram orgulhosos de seu ato. Segundo o governo israelense, Masharka fora libertado semanas atrás de uma cadeia palestina.

O governo palestino do grupo radical Hamas ¿ que assumiu o poder quarta-feira ¿ defendeu o atentado:

¿ A resistência é um direito legítimo do povo sob ocupação ¿ afirmou o ministro da Informação, Youssef Rizqa.

Mas o presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, condenou o atentado:

¿ Não achamos que isto vai ajudar o processo de paz.

Já o vice-ministro das Relações Exteriores e ex-ministro da ANP no Brasil, Ahmed Sobeh, considerou que Helena vivia em território ilegal:

¿ Condenamos esse tipo de ataque e apostamos nas negociações para resolver nossos problemas. É lamentável a perda de qualquer ser humano, mas ela não vivia em Israel, numa zona segura, mas num território ilegal. Não temos a obrigação de defender quem mora numa área ilegal, só podemos lamentar.

O ministro da Defesa de Israel, Shaul Mofaz, culpou o governo do Hamas pelo atentado. Mofaz determinou o aumento gradativo das incursões militares na Cisjordânia e, segundo fontes do ministério, há ordens de reativar a política de ataques aéreos em Gaza e até mesmo de assassinatos seletivos, para combater os ataques de foguetes Qassam lançados contra alvos no sul de Israel.

¿ Um governo que defende a continuação da resistência armada e é dono de uma rede de segurança incapaz de combater o terrorismo é totalmente responsável por qualquer atentado. Israel não está disposto a voltar à rotina de ataques terroristas contra seus cidadãos e vai reagir com força ¿ declarou Mofaz.

Nas primeiras horas de ontem, aviões israelenses bombardearam supostas fábricas de foguetes no norte de Gaza, elevando a tensão. O líder dos Comitês de Resistência Popular, Khalil al-Quka, morreu quando seu carro explodiu numa rua da Cidade de Gaza. Considerado um dos arquitetos dos ataques de foguetes contra Israel, ele comandava 200 homens armados. Israel negou envolvimento no atentado e aliados de Quka culparam facções fiéis ao Fatah. Centenas de palestinos foram ao funeral, durante o qual pelo menos três pessoas morreram numa troca de tiros entre grupos rivais.