Título: CHIRAC PROMULGA LEI E JOVENS MANTÊM DESAFIO
Autor: Deborah Berlinck
Fonte: O Globo, 01/04/2006, O Mundo, p. 43

Modificações propostas por presidente não agradam e manifestantes ameaçam fazer protestos diários na França

PARIS. O presidente Jacques Chirac promulgou ontem a controversa lei que cria um contrato de emprego para jovens, indiferente aos que alertam para o risco de uma crise social no país. Estudantes e os principais sindicatos prometem paralisar a França na terça-feira, com greve geral e protestos, e exigem a retirada do dispositivo legal. Por causa dessa lei, várias universidades, colégios e até estradas estão sendo bloqueados por manifestantes furiosos, que denunciam o novo contrato como precário, já que ele permite a empresas com mais de 20 funcionários demitir jovens de menos de 26 anos durante um período de dois anos, sem dar justificativa ou compensação.

Manifestantes enviam duas mil cartas a Chirac

A crise se arrasta há dois meses e só aumenta. Para acalmar os manifestantes, Chirac propôs duas modificações nos pontos mais controversos do contrato, num pronunciamento televisivo à nação ontem à noite. Ele sugere reduzir de dois anos para um ano o período ¿experimental¿ do contrato ¿ isto é, da fase em que jovem pode ser facilmente demitido. Também promete modificar a lei de forma que o jovem saiba a causa de sua demissão.

Frisando que entende as preocupações dos manifestantes, Chirac propôs as modificações, mas fez uma defesa veemente do contrato, que, segundo ele, pode ser uma das soluções para o índice de desemprego de 9,6% da França, um dos mais elevados da Europa. Entre os jovens, o percentual de desemprego chega a 22%.

¿ Chegou o momento de avançar. Juntos, devemos trabalhar para pôr fim a esta situação chocante, em que empresas, por temerem rigidez excessiva (da lei trabalhista), preferem recusar um pedido ou transferir suas atividades para outro país, enquanto tantas pessoas estão presas no desemprego e na precariedade ¿ justificou.

Mas estudantes e sindicatos rejeitaram as propostas, ameaçando um ¿tudo ou nada¿: ou o governo retira o contrato ou enfrentará protestos diários. Ontem, antes mesmo de Chirac acabar seu discurso, milhares de jovens chegavam à Praça da Bastilha. Um deles, da Federação Independente e Democrática de Secundaristas, explicava:

¿ Estamos bloqueando a Bastilha. É um movimento espontâneo, que está partindo de vários colégios.

Universitários e secundaristas multiplicaram as ações de protesto pelo país, bloqueando estradas, vias férreas e acesso a escolas. Em Montpellier, manifestantes marcharam com tochas na mão pela cidade, na noite anterior, e amanheceram nos correios para enviar duas mil cartas a Chirac. Bruno Julliard, presidente da União dos Estudantes da França, reagiu mal ao discurso de Chirac:

¿ Estou consternado. Esperávamos que o presidente ouvisse a mensagem que a juventude e os assalariados lhe estão dando há dois meses.

Bernard Thibault, presidente da CGT ¿ uma das principais centrais sindicais do país ¿ partiu para a ameaça:

¿ Agora nós manteremos esta mobilização mais do que nunca. Promulgar a lei nas atuais condições é não entender a mensagem ¿ queixou-se.

A oposição partiu para um cenário de catástrofe:

¿ Há uma crise social, que corre o risco de se aprofundar. Há uma crise democrática porque ele não escutou a população. E há uma crise institucional porque o presidente não exerce sua função como deveria ¿ disse Laurent Fabius, um importante líder do Partido Socialista.

Villepin sai prestigiado no UMP com decisão de Chirac

No UMP ¿ o partido do governo ¿ o discurso de Chirac teve o efeito oposto: acalmar um partido que estava se dividindo. O primeiro-ministro Dominique de Villepin saiu prestigiado, pois é ele, sobretudo, que desde o início insiste em não ceder à pressão das ruas. Villepin almeja ser escolhido candidato da direita à sucessão de Chirac em 2007. Sua sorte dependerá muito de como ele se sair desta queda-de-braço com sindicatos e estudantes.

Seu rival na corrida presidencial, o ministro do Interior, Nicolas Sarkozy ¿ o político de direita mais popular da França ¿ aplaudiu o discurso de Chirac. Sarkozy, que preside o UMP, disse que a decisão do presidente seguiu o que a maioria dos parlamentares do partido quer: a manutenção do contrato.

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