Título: ALCKMIN VIRA VIDRAÇA
Autor: Soraya Aggege
Fonte: O Globo, 02/04/2006, O País, p. 3

Assembléia ameaça desengavetar parte dos 69 pedidos de CPI que tucano conseguiu evitar

Afortaleza que preservou Geraldo Alckmin (PSDB) de investigações durante os seis anos em que esteve no governo de São Paulo começou a ruir. No momento em que ele assinava a carta de renúncia, na quinta-feira, para disputar a Presidência da República, parte da sua própria base aliada remexia gavetas e computadores na Assembléia Legislativa com a intenção de denunciar o ex-governador, que além dos quatro anos de mandato teve mais dois após a morte de Mario Covas, em 2001, período em que manteve poder absoluto no estado sem sofrer qualquer investigação parlamentar ou processo no Ministério Público e no Tribunal de Contas do Estado (TCE).

Material não falta para a artilharia. Ficaram engavetados 69 pedidos de CPIs, e pelo menos 974 contratos julgados irregulares pelo TCE já foram retirados do arquivo morto da Assembléia. Além disso, dezenas de gabinetes de deputados, até do aliado PFL, começaram a abrir novas investigações, a maioria apontando para mau uso do dinheiro público e direcionamentos para favorecer aliados, principalmente na própria Assembléia, onde Alckmin detinha o controle de pelo menos 62 dos 94 deputados.

¿ Não é de agora que estamos mostrando irregularidades no governo. A novidade é que, com perda do controle sobre o Legislativo e as tentativas que ele tem feito para buscar visibilidade nacional, Alckmin começa a aparecer como realmente é. Aqui na Assembléia é como se tivessem tirado uma lona e colocado uma rede no lugar. Vamos usar a rede para pegar os peixes grandes ¿ diz o corregedor da Assembléia, deputado Romeu Tuma Júnior (PMDB), que começa a investigar as denúncias de favorecimento do governo a deputados da base.

Desde o ano passado, o comando da Casa saiu das mãos do PSDB para o PFL, contra a vontade de Alckmin. As articulações já vinham se tornando difíceis para o governador.

¿ Na minha gestão, estou fazendo toda a tramitação de pedidos regularmente. Na minha opinião, as CPIs deveriam ser abertas. Agora, as regras internas são de que os pedidos precisam ser aprovados por 50% mais um voto. Caso a oposição consiga mudar as normas via Supremo Tribunal Federal, como já pedido, teremos que abrir algumas ¿ diz o presidente da Assembléia, Rodrigo Garcia (PFL), referindo-se a um pedido de mudança das regras feito ao STF pelo PT.

CPI da propaganda deve ser a primeira

As articulações internas já apontam como senso comum que a CPI da propaganda deve ser a primeira a sair. A acusação é de que Alckmin teria montado um tipo de "mensalinho" para deputados, por meio da liberação de recursos para propaganda de estatais. O deputado contemplado escolheria o veículo de comunicação para o direcionamento dos anúncios. Por enquanto, há indícios fortes sobre a Nossa Caixa, mas os deputados já investigam também outras estatais, como a Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista (Ceteep), que está endividada e em vias de privatização, mas pagou R$120 mil para textos institucionais na revista de ecologia e espiritualidade "Ch´an Tao", que na edição de março dedicou nove páginas de entrevista com Alckmin, diz o deputado Sebastião Arcanjo (PT).

Outras estatais, como a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), também entraram na mira dos deputados. O deputado Caldini Crespo (PFL) quer investigar pelo menos 400 dos quase mil contratos irregulares segundo o TCE, todos referentes ao CDHU. Há também suspeitas sobre a Companhia do Metrô, que teria se excedido nos anúncios para o jornal "Metrô News", do deputado Pascoal Thomeo (PTB), mas as apurações dependem da abertura da CPI.

Alguns deputados já defendem o inimaginável há uma semana: convocar Alckmin e ex-secretários para se explicarem sobre as denúncias.

¿ Por que em Brasília os parlamentares podem convocar e em São Paulo não? Se o governador (ex) não tem problemas, não vejo por que ele não pode se explicar. É preciso verticalizar a ética ¿ instiga Tuma.

¿ Essas denúncias, essas tentativas, vão acontecer muito mais, já sabemos, por causa da candidatura de Alckmin. Nossa idéia é de fazer um debate com os interesses nacionais, mas o PT quer arrastar todo mundo para isso. Mas não vão conseguir, porque Alckmin sempre respeitou o Legislativo e não temos qualquer irregularidade ¿ contra-ataca o líder do governo, Edson Aparecido (PSDB).

Embora minoritária, a oposição ¿ formada por PT, com 22 deputados, e PCdoB, com dois ¿ tem ganhado o apoio de parlamentares descontentes do PFL e do PMDB. Desde o escândalo do possível direcionamento da propaganda da Nossa Caixa para aliados, alguns já têm dito publicamente que não são mais da base aliada, mas apenas "coligados".

¿ Agora os holofotes vão derreter o picolé de chuchu ¿ ironiza Renato Simões, do PT.

Um dos apontados como suspeito de ter sido beneficiado com verbas de propaganda em troca de apoio na Assembléia, o comunicador e deputado Afanásio Jazadji (PFL), mais votado da coligação com os tucanos, disse ter recebido R$8 mil em anúncios para seu programa:

¿ Alckmin quis me usar duplamente: ofereceu verbas de propaganda para dar um "cala-boca" no Afanásio deputado e no Afanásio comunicador. Ele se sente machucado pelo fato de o meu programa criticar a política de segurança pública dele.

As dificuldades para Alckmin na Assembléia, que se agravam agora, começaram no início do ano passado, quando grande parte da base aliada se rebelou e se uniu ao PT.

¿ Havia uma insatisfação dos deputados aliados por verbas. E Alckmin não cumpria as promessas. Alguns do próprio PSDB perderam até eleições municipais por causa disso. Muitos aqui ficaram malucos. Daí resolvemos fazer a rebelião ¿ conta Afanásio.

Segundo Simões, tudo começou porque Alckmin deixou de seguir o modo de Covas, que prometia repasses para as bases dos deputados e cumpria acordos. Alckmin chegou a proibir que servidores pedissem auxílio a deputados para conseguir transferências de postos, diz Afanásio.

¿ A cultura aqui é de que o deputado é o dispensário das graças do governador na sua província. Daí o fisiologismo. Alckmin quis assumir o controle e perdeu o jogo ¿ diz Simões.

Os rebeldes resolveram surpreender Alckmin em março de 2005. A uma semana da eleição da Mesa, PFL, PP e PTB montaram um grupo com a oposição e acertaram a eleição de Rodrigo Garcia (PFL) no lugar de Aparecido, indicado por Alckmin. Garcia cumpriu o que prometeu: mudou as regras e agora as verbas dos deputados são repassadas por meio de emendas.