Título: CADA VEZ MAIS SÓ, LULA COMANDARÁ CAMPANHA
Autor: Gerson Camarotti
Fonte: O Globo, 02/04/2006, O País, p. 8

Depois das baixas na equipe, presidente tentará nova sintonia com o PT e busca outro modelo de coordenação

BRASÍLIA. Cada vez mais sozinho e amargando há quase um ano perdas sistemáticas de colaboradores importantes da campanha de 2002 e do início do governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu que comandará ele próprio a campanha pela sua reeleição. O principal desafio do presidente é estabelecer uma sintonia fina entre ele e o PT, patrocinador do escândalo do mensalão e do caixa dois. Consciente de que poderá ter problemas na área política, Lula ainda busca um modelo de coordenação que garanta a continuidade do governo e lhe permita tocar a campanha. Tanto nessa área como na econômica, o presidente terá que trabalhar com um novo grupo de petistas, formado por pessoas que tiveram papel secundário em 2002.

Com a crise do mensalão, Lula perdeu seu maior articulador político, José Dirceu; perdeu o fiel aliado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que teve que ser deslocado do Ministério para a presidência da Câmara depois da renúncia do ex-deputado Severino Cavalcanti; e semana passada teve que concordar com a saída do ex-ministro da Relações Institucionais Jaques Wagner, que vai disputar o governo da Bahia. Lula sabe que o ministro Tarso Genro, substituto de Wagner, não era a melhor escolha para o cargo, por seu perfil polêmico e de constantes atritos com os próprios petistas.

É diante desse quadro que o presidente deve redimensionar a coordenação política do Palácio do Planalto, exigindo mais dos ministros Dilma Rousseff, da Casa Civil, e Luiz Dulci, da Secretaria Geral da Presidência.

O próprio Lula já avisou que Dulci não ficará mais restrito a contatos com os movimentos sociais e com a Igreja. O petista mineiro, o único do núcleo original de campanha e da primeira fase do governo que permanece com Lula, deve ganhar missões políticas.

Três ministros na área econômica

Na área econômica, apesar do baque pela queda do ex-todo-poderoso ministro da Fazenda Antonio Palocci, o presidente considera que a situação não fugirá do controle. Tanto na condução do governo como na interlocução com o mundo empresarial, três nomes aparecem para substituir Palocci. Além do novo ministro da Fazenda, Guido Mantega, herdeiro natural dessa função, Lula quer o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, empenhados nessa missão.

O presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), que vai ficar no comando formal da campanha, sabe que, desta vez, acima de tudo e de todos estará o presidente Lula.

¿ Em sendo uma campanha de reeleição, boa parte do pensamento e da estratégia política do presidente Lula vai estar no Palácio do Planalto. Por isso, uma boa interação entre o governo e o partido é a chave para a nossa campanha ¿ observa Berzoini.

Para o programa de governo da reeleição, Lula espera formar uma equipe com quadros de fora de Brasília, como o prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel, e com auxiliares de sua confiança, como o assessor especial Marco Aurélio Garcia.

O próprio Lula reconhece que nos últimos meses sofreu um duro golpe, mas, nos bastidores, diz que não pode mais ficar associado aos nomes do passado, pois ficaria fragilizado. Não está descartada, porém, a ajuda discreta dos antigos colaboradores.

¿ Nesse processo, algumas pessoas foram baleadas e saíram da linha de frente. Mas não acho que o presidente Lula perdeu a amizade dos antigos ministros como Palocci e Dirceu ¿ pondera Jaques Wagner, outro que deverá ficar fora da linha de frente da campanha da reeleição.

A intenção de Lula é ampliar o máximo possível as responsabilidades no comando da campanha e não centralizar decisões nas mãos de poucos. Ele teme qualquer tipo de associação com erros cometidos na campanha de 2002, cujos reflexos geraram CPIs e a atual crise.

¿ Estamos enfrentando uma realidade de dificuldade. Mas acho que o coletivismo do PT substituirá a história de expressão de alguns quadros do partido. O PT não aceita mais grupelhos e nem projetos individuais. Vivemos um processo de desconcentração de poder ¿ afirma o vice-líder da bancada, deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), ao avaliar o quadro para a campanha eleitoral deste ano.

Aposta do PT é a imagem de Lula

Por outro lado, com o esvaziamento do partido depois das baixas sofridas, a aposta do PT é jogar todas as fichas no presidente Lula para recuperar credibilidade. E tentar se desvencilhar dos fantasmas do passado.

¿ A grande força política do governo e do PT é o próprio Lula. Os nomes que saíram com a crise eram importantes. Mas ninguém é insubstituível ¿ diz o vice-líder do governo, deputado Sigmaringa Seixas (PT-DF).

Apesar da preocupação do núcleo palaciano em afastar Lula dos antigos colaboradores como Dirceu e Palocci, há quem defenda nos bastidores que eles voltem à cena política na campanha da reeleição. Esse tema divide o partido. Um grupo considera que Lula poderá contar com Dirceu para missões políticas mais discretas, pois argumentam que ele ainda tem poder junto a militantes e à base, e ainda tem interlocução com políticos importantes do país, tanto na base aliada como na oposição.

Fontana vê papel para Palocci

Petistas influentes também defendem a presença de Palocci na campanha como uma forma de reabilitá-lo no cenário nacional. A avaliação interna é de que Palocci ainda tem contatos com parte do empresariado, além de capacidade técnica para ajudar num programa de governo.

¿ Tenho certeza que o Palocci vai ter uma participação importante na campanha da reeleição. Ele tem interlocuções que o partido precisa ¿ diz o líder do PT na Câmara, deputado Henrique Fontana (RS).

Mas no Palácio do Planalto, a avaliação é de que a volta desses personagens durante a campanha pode contaminar de forma definitiva a imagem o presidente Lula. Teme-se que a presença de personagens como Genoino, Palocci e Dirceu coloque Lula numa situação delicada.

Políticos do governo e aliados, além do próprio Lula, sabem que um dos maiores trunfos da oposição será justamente esse: o de colar na imagem do presidente e na campanha de todos os petistas o estigma de que os que querem permanecer no governo foram cúmplices dos personagens envolvidos nos escândalos que tomaram conta do país no último ano.