Título: Tensão ainda mexe com coadjuvantes da crise
Autor: Jailton de Cravalho
Fonte: O Globo, 02/04/2006, O País, p. 16

Sueli Mascarenhas e Jeter Ribeiro de Souza relatam surpresa pela divulgação do extrato da conta do caseiro

BRASÍLIA. A quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa, que provocou a demissão de Antonio Palocci do Ministério da Fazenda e de Jorge Mattoso da presidência da Caixa, deixou em estado de perplexidade pelo menos dois dos três funcionários do banco estatal que participaram da operação. Envolvidos na operação, a superintendente de Gestão de Pessoas, Sueli Aparecida Mascarenhas, e o gerente nacional de Políticas de Gestão de Pessoas, Jeter Ribeiro Souza, passaram por momentos de tensão. Sob suas cabeças rondava o temor de virem a ser responsabilizados pelo crime.

Em depoimentos à Polícia Federal e, depois, em entrevistas ao GLOBO, Sueli Mascarenhas e Jeter Ribeiro Souza se disseram surpresos com a divulgação do extrato que emitiram sob ordens de Mattoso na noite do último dia 16.

¿ Se eu tivesse tido uma dor de barriga naquele dia, ou outro problema qualquer de saúde, e tivesse ido para casa mais cedo nada disso teria acontecido comigo ¿ disse Jeter ao GLOBO na quinta-feira.

No começo, um simples ato burocrático

Foi Jeter que, a pedido da chefe Sueli Mascarenhas, emitiu o extrato de mais de três laudas da conta de Francenildo às 20h58m do último dia 16. Para ele, naquele momento, não passava de um simples ato burocrático de imprimir o extrato da conta de um cliente suspeito de movimentação atípica. Sueli teria dito apenas que se tratavam de informações necessárias a um relatório que seria encaminhado ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Jeter só percebeu a enrascada no sábado, dia 18, quando leu nos jornais as primeiras reações à quebra do sigilo de Francenildo, uma importante testemunha da CPI dos Bingos.

¿ Quando começaram a sair aquelas matérias foi um choque. Tirar um extrato não era nada de mais. Fiz isso a vida inteira. Como é que eu iria imaginar que aquilo iria para rua? ¿ diz.

Em meio ao desespero de estar envolvido involuntariamente num crime e num escândalo político de conseqüências imprevisíveis, Jeter apagou todos os arquivos do notebook que usou para acessar a conta de Francenildo. Era uma tentativa irracional de escapar de possíveis punições. Depois, pressionado por parentes e certo de que não participara do vazamento das informações bancárias do caseiro, Jeter decidiu colaborar com a polícia.

Ele confessou a emissão do extrato do caseiro, admitiu a eliminação dos arquivos do notebook e entregou o computador ao delegado Rodrigo Carneiro Gomes. Numa demonstração de arrependimento, o gerente informou que, antes de destruir os arquivos, fizera uma cópia de todos eles. O desabafo foi fundamental para a polícia destrinchar a primeira etapa da operação que levou à quebra do sigilo de Francenildo. No dia seguinte ao depoimento, Palocci e Mattoso deixaram o governo.

Há quatro meses na Superintendência de Gestão de Pessoas da Caixa, Sueli Mascarenhas disse que também ficou assustada com a repercussão da quebra do sigilo. Ela contou que sabia quem era Francenildo quando pediu a Jeter o extrato da conta dele, mas disse que, nem de longe, poderia desconfiar que estava participando de uma guerra política naquele momento. O extrato foi pedido a Sueli por Ricardo Schumann, até então um dos principais funcionários do gabinete de Mattoso.

¿ Foi dito que existia uma suspeita de lavagem de dinheiro e que era necessário acessar uma conta. Deram o nome da pessoa. Sabia que era o caseiro. Mas achei normal. O documento seria encaminhado para o Coaf ¿ argumenta Sueli.

Na mesma linha de Jeter, ela alega que só se deu conta que estava sendo arrastada para o centro de uma grave crise política do governo quando viu as informações nos jornais. Uma semana depois, assustada com o assédio da imprensa e os ataques da oposição, Sueli também compareceu à PF e relatou detalhes da operação.

¿ As pessoas aqui na Caixa estão sofrendo muito. Acessar a conta de um cliente suspeito é uma obrigação. Divulgar isso fora da Caixa e do Coaf é que é crime ¿ afirma Sueli.

Extrato passou por pelo menos seis pessoas

Procurado pelo GLOBO, Schumann não foi localizado. Ele pediu afastamento da Caixa segunda-feira, pouco depois de também confessar à PF que pediu a Sueli o extrato de Francenildo. Pelas informações da polícia, o extrato de Francenildo passou por pelo menos seis pessoas antes de chegar à redação da ¿Época¿. Por volta das 20h30m do dia 16, Sueli foi chamada por Schumann para tratar de assunto confidencial no gabinete da Presidência. Ela subiu até o 21º andar e recebeu a ordem para tirar o extrato.

Ela voltou ao 15º andar e pediu a Jeter para emitir o extrato. Em menos de 20 minutos, ela estava no gabinete de Mattoso com o documento. Mesmo com o adiantado da hora, Schumann correu ao restaurante La Torreta para entregar a Mattoso o envelope. O então presidente da Caixa conversou por telefone com Palocci e, em seguida, foi à casa do ex-ministro, no Lago Sul, entregar aquilo que seria uma bomba contra o caseiro. Menos de duas semanas depois a bomba explodiu, mas com efeito devastador sobre o governo.