Título: PIRES ASSUME SOB PRESSÃO POR MAIS VERBAS
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Fonte: O Globo, 02/04/2006, O País, p. 19

Documento do Ministério da Defesa lista conseqüências da limitação orçamentária que pode paralisar ações do setor

BRASÍLIA. Waldir Pires assume amanhã um Ministério da Defesa sob pressão das tropas por mais recursos. Um documento interno do ministério obtido pelo GLOBO aponta para um segundo semestre caótico para as Forças Armadas. O relatório lista os principais reflexos do limite orçamentário em ações e operações do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Dos R$10,8 bilhões pedidos pelo seu antecessor José de Alencar para o Orçamento de 2006, a área econômica cortou a proposta para R$4,4 bilhões.

A Secretaria de Organização Institucional do Ministério da Defesa relaciona 22 ações e programas das três forças que serão atingidos. A falta de recursos poderia inclusive obrigar o governo a retirar as tropas brasileiras do Haiti, desativar o Programa Antártico, suspender o programa nuclear e a construção de um submarino e de uma corveta e até engavetar o renascido Projeto Rondon.

Redução de 50 mil recrutas

O documento prevê que, com este orçamento, o Exército brasileiro terá uma redução em mais de 50 mil recrutas, que deixarão de prestar o serviço militar. Os Tiros de Guerra de 247 cidades não terão condições de incorporar esses jovens. ¿Prejuízos para os jovens em prestação de serviço militar, assim como para a segurança dos aquartelamentos¿, diz o documento.

Em outro trecho, o documento alerta que a retirada dos soldados brasileiros do Haiti, além de descumprir um compromisso internacional assumido pelo governo com a ONU (Organização das Nações Unidas), certamente irá trazer outros prejuízos, entre eles a ¿frustração para os militares que estavam cumprindo a missão¿.

Integrante da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara, o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), disse que, diante da redução do orçamento dos militares, é necessário rediscutir o papel que as Forças Armadas exercem no país. Ele lembrou ainda que outros projetos, como o Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), não estão funcionando plenamente por falta de dinheiro.

O deputado critica a escolha de prioridades adotada pelo governo brasileiro no setor. Na opinião dele, não era o momento de se mandar um astronauta brasileiro para o espaço. Gabeira considera um desperdício o governo desembolsar US$10 milhões para pôr em órbita o astronauta Marcos Cesar Pontes, que esta semana embarcou rumo à estação espacial internacional.

¿ É uma odisséia que tem mais valor publicitário do que científico. Esse dinheiro poderia estar sendo utilizado para cobrir deficiências reais das Forças Armadas ¿ disse Fernando Gabeira.

Segundo o Ministério da Defesa, as unidades militares também vão enfrentar sérias dificuldades e terão que dispensar o pessoal mais cedo, antes do fim do expediente, por falta de alimentação, transporte, munição e combustíveis. Pior ainda: o texto avisa para a possibilidade do aumento de contrabando e tráfico de drogas nas fronteiras do Norte e do Centro-Oeste.

O Programa Antártico também será atingido. ¿Possibilidade de desativação da Estação Antártica Comandante Ferraz, com sérios desgastes para os interesses estratégicos do país e par a pesquisa nacional¿, diz o relatório.

A construção do submarino Tikuna e da corveta Barroso, considerados estratégicos, podem ser paralisadas. ¿Perda de poder dissuasório da Esquadra Brasileira e elevação do custo final dos projetos¿, sustenta o documento.

A falta de recursos atingiria também a Indústria de Material Bélico do Brasil, a Imbel. O documento prevê que a reestruturação da empresa será paralisada e poderá provocar não apenas a sua liquidação mas até mesmo a demissão de dois mil operários.

Projeto Rondon será atingido

O Projeto Rondon, que foi reativado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, será atingido. ¿Retirada do apoio às universidades que participam do projeto, com falta de atendimento médico-hospitalar e odontológico nas regiões Norte e Nordeste do país¿, lista o documento.

O limite de verba irá comprometer também o emprego de tropas do Exército em ações durante as eleições, que irão ocorrer em outubro. Não haverá efetivo ¿suficiente e adestrado¿ para atender às solicitações da Justiça Eleitoral.

As limitações irão atingir várias ações também da Aeronáutica. O documento prevê uma redução nas atividades de controle do espaço aéreo e paralisação em obras na construção de vários aeroportos estaduais e regionais.

As plataformas de petróleo podem ficar vulneráveis por causa da redução das operações de patrulhas e inspeção naval. O cenário negro projetado pelos militares da Defesa fala até da poluição marinha por navios, já que vai se reduzir o controle de embarcações sem condições de navegar.

O governo, segundo as previsões do documento, não terá como pagar os contratos assinados com fornecedores nacionais e internacionais, o que irá causar ¿prejuízos para a credibilidade do país e das Forças Armadas, especialmente junto à Embraer e países estrangeiros¿. O renomado Instituto Militar de Engenharia (IME) poderá fechar os cursos que oferece aos alunos civis.