Título: `EU ESTRAGUEI O MEU FUTURO PARA SEMPRE¿
Autor: Elenilce Bottari
Fonte: O Globo, 02/04/2006, Rio, p. 22

Jovem que ficou três meses preso diz que até hoje acorda sobressaltado, com medo do que viu na cadeia

Preso no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro no momento em que desembarcava de volta de uma viagem de oito dias para Amsterdã, na Holanda, C., de 23 anos, entrou em pânico e viu seus projetos de futuro ruírem enquanto agentes federais o algemavam e o arrastavam para a Superintendência de Polícia Federal do Rio, na Praça Mauá. Segundo a polícia, em sua mala os agentes encontraram 33 mil comprimidos de ecstasy. Trabalhando como representante comercial e prestes a entrar para a faculdade de administração de empresas, ele ficou internado durante três meses no setor de presos federais do Presídio Ary Franco, em Água Santa. Filho de uma tradicional família de classe média alta do interior de São Paulo, o jovem ainda sofre os horrores dos dias que viveu na cadeia e, enquanto aguarda o recurso de sua condenação em liberdade, luta para superar o estigma de ex-presidiário: ¿Ninguém quer contratar um ex-traficante de drogas¿.

Como você começou a se envolver com o tráfico internacional de drogas?

C.: Eu surfo e um amigo, que tinha mais dinheiro na turma, me fez uma proposta. Ele parecia um cara legal, de confiança. Um dia me perguntou se eu não queria passear oito dias em Amsterdã. Ele disse que viajava todo mês e que não havia risco algum. Recebi 3 mil euros para passear na Holanda e, na volta, ainda receberia uma parte em dinheiro. Eu só precisava ir a um endereço pegar a mala em Amsterdã e despachar a bagagem no aeroporto, porque quando chegasse aqui haveria outra pessoa para desembaraçar a bagagem.

Mas você sabia o que estava carregando?

C.: Na verdade, não. Eu sabia que era uma mala com ecstasy, mas não que tinha 33 mil comprimidos da droga. E eu estava fazendo isto só porque não haveria risco nenhum, segundo ele. Eu iria conhecer a Holanda. Meu amigo disse que o ecstasy seria permitido em Amsterdã e que eu não precisava me preocupar com a chegada ao Rio de Janeiro. Era só desembarcar e ir embora.

E como foi na chegada?

C.: Entrei em pânico. A viagem toda eu estava tranqüilo, por que para mim não haveria nenhum tipo de risco. Eu não imaginava que haveria risco, porque não sabia que teria que pegar a mala. Achava que era só despachar em Amsterdã. Tanto é que ele me disse que as minhas roupas seriam mandadas depois, e que era só eu chegar e sair. Ele disse ainda que todo mês ia para lá, mas que naquele mês não poderia. Disse para eu ir no lugar dele, que eu ganharia um passeio de graça.

E o que aconteceu depois?

C: Eu fiquei três meses em Água Santa, um negócio que até hoje me dá pânico. Você não dorme. Você está cercado de criminosos de todos os tipos, e a impressão é a de que ninguém ali gosta de você. As pessoas pedem dinheiro o tempo todo, e se você não dá recebe ameaças. Você ouve pessoas gritando. De repente, alguém grita que vão tomar toda a cadeia, e você fica naquela tensão. Assim que você chega lá, ouve histórias sobre casos de pessoas que morreram.

E como foi no momento em que você recebeu a notícia de que iria sair da prisão?

C: Meu medo era tamanho que eu não entendi o que estava acontecendo. Tive medo até de sair e, sei lá, ser uma armadilha. Acho que só quando cheguei em casa, consegui acreditar que estava livre.

O que você quis fazer primeiro? Qual foi o seu primeiro desejo quando ficou em liberdade?

C: Para falar a verdade, primeiro eu só pensei em usar o banheiro. Parece uma loucura, né? Eu nunca pensei que fosse tão importante ter um vaso sanitário. Depois de tomar um bom banho, eu só pensei em comer uma comida de verdade. Porque aquela comida (do presídio) não é de verdade. Minha mãe fez lasanha para mim. No primeiro dia, eu fui dormir e minha mãe entrou no quarto para me cobrir. Só de sentir um movimento, dei um pulo e entrei novamente em pânico. Até hoje acordo sobressaltado.

Você já havia usado ecstasy?

C: Já, mas não guardo uma boa lembrança. Eu tinha conseguido um comprimido e decidi tomar em casa. Passei uma noite bem esquisita. Depois, os amigos me contaram que só se usa o ecstasy em grupo e em festa. Ficar parado é mesmo muito ruim.

Você se arrepende do que fez?

C.: Todos os dias da minha vida. Eu nunca tinha feito nada errado, e meus pais ficaram muito mal. Eu sofri muito e tenho consciência que estraguei meu futuro para sempre. Eu era um bom representante comercial, mas não consigo mais uma boa colocação. Não importa o quanto eu me esforço, toda vez que alguém descobre o que aconteceu, diz que não pode fazer nada por mim.