Título: Os novos traficantes
Autor: Elenilce Bottari
Fonte: O Globo, 02/04/2006, Rio, p. 22

Jovens ricos ou de classe média comandam venda de ecstasy

Eles não usam armas, não vivem em morros, não estão organizados em comandos nem se escondem em vielas ou travam batalhas com a polícia. Diferentemente dos ¿falcões¿ retratados pelo documentário de MV Bill e Celso Athayde, os traficantes de ecstasy e outras substâncias sintéticas, consideradas as drogas do novo milênio, vivem uma realidade mais próxima da dos faisões, aves caras, cercadas de grandes cuidados.

São jovens ricos ou de classe média que nada têm a ver com os de favelas que se envolvem com a venda de cocaína e de maconha, tornando-se responsáveis por grande parte das ocorrências policiais da cidade. Tendo como origem países europeus e os Estados Unidos, e, como destino as classes média e alta, o ecstasy já é a segunda droga mais consumida no Brasil, atrás apenas da maconha, e à frente das anfetaminas e da cocaína. O dado é baseado em apreensões feitas em todo o território nacional.

De 2002 a 2005, a Polícia Federal apreendeu em solo nacional 220.062 comprimidos. Só no ano passado, a Polícia Civil do Rio realizou três grandes operações na Barra, em Niterói e na Região dos Lagos, efetuando cerca de 40 prisões. Apesar de ainda não terem sido verificadas redes internacionais operando no Brasil, como acontece com a cocaína, as polícias Civil e Federal já identificaram pequenas organizações criminosas que usam empresas de fachada. Elas cooptam jovens de classe média alta para aliciar outros, a maioria estudantes universitários, que serão usados como ¿mulas¿ para trazer a droga de cidades como como Amsterdã, na Holanda, principal mercado produtor.

A maior apreensão já registrada no país aconteceu no Rio no ano passado: um estudante universitário foi preso por agentes federais no Aeroporto Internacional Tom Jobim com 33 mil comprimidos de ecstasy e ainda um quilo de skank (espécie de maconha cultivada em laboratório, que também está na moda entre jovens). C., de 22 anos, foi aliciado por um amigo mais rico, de sua turma de surfe que freqüentava a Praia da Barra. Condenado por tráfico, ele nunca mais teve notícias do amigo e diz não ter a menor idéia se havia outras pessoas envolvidas no negócio.

De acordo com o delegado regional da Polícia Federal no Rio, Roberto Prel, apesar de o preço na Europa e na Ásia ter caído, o ecstasy ainda é uma droga muito cara no Brasil:

¿ As drogas sintéticas cresceram na Europa e nos Estados Unidos devido ao alto custo para eles da maconha e da cocaína. Lá, o comprimido do ecstasy custa em média R$1, enquanto aqui, R$30.

Segundo Prel, a Polícia Federal ainda não verificou a entrada de qualquer grande rede de traficantes de drogas sintéticas no país. O mercado ilegal atrai principalmente jovens de classe média alta que aproveitam viagens à Europa para trazer a droga, às vezes em grande quantidade.

¿ Talvez por aparentemente não apresentar riscos, o ecstasy esteja seduzindo tantos jovens de classe média alta. Eles acreditam que vão aferir um lucro fácil e sem risco. Mas estão cometendo o mesmo crime de tráfico e, uma vez descobertos, podem ser presos e condenados de três a 15 anos de cadeia ¿ acrescenta Prel.

A preocupação com o crescimento desse novo mercado de drogas no Rio levou o então chefe de Polícia Civil, delegado Álvaro Lins, a determinar a realização de operações nas regiões da Barra e do Recreio, na Zona Sul, em Niterói e na Região dos Lagos. Só o Serviço de Repressão a Entorpecentes de Niterói prendeu 13 jovens em uma única operação, que tinha como alvo a rede relacionamento Orkut.

¿ A minha preocupação era impedir a entrada no Rio de mais dois tipos de drogas. De um lado, o crack, destinado ao consumidor mais pobre, da favela; e do outro, o ecstasy, vendido e consumido por jovens de classe média e alta ¿ disse Lins.

Segundo Álvaro Lins, no tráfico de ecstasy e de outras drogas sintéticas, o perfil do traficante é o mesmo do usuário, que corre um risco muito grande de se tornar um criminoso.

¿ O ecstasy é considerado uma droga limpa, até pela aparência menos agressiva. É basicamente usado para recreação, na maioria das vezes em festas de música eletrônica. Ninguém compra ecstasy para guardar em casa. É uma droga de ocasião. Para vender, o traficante tem que freqüentar os mesmos eventos dos usuários, tem que ter o mesmo perfil ¿ explicou ele.

A mesma preocupação levou o representante do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime, Giovanni Quaglia, a alertar o Ministério da Justiça para os riscos do crescimento desse novo mercado:

¿ É a última geração do tráfico de drogas, com atores completamente diferentes, aparentemente normais.

Internet é usada para o tráfico

Especialista em crimes previstos na Lei de Entorpecentes, o advogado criminal Patrick Berriel viu aumentar muito no último ano os casos de tráfico de ecstasy em seu escritório. Segundo ele, por inquéritos em andamento e processos já concluídos, é possível perceber uma certa estrutura de crime no Rio:

¿ Já existe uma certa logística para internar drogas em território nacional, porém o envolvimento de jovens nessa organização pode se dar de várias formas: ¿mulas¿, aliciadores e revendedores em festas rave. Alguns jovens fazem o tráfico pelo dinheiro, pela sensação de poder perante os outros jovens. Outros traficam para sustentar o próprio vício. A grande maioria, para consumo compartilhado.

Responsável por duas operações, ano passado para o desmantelamento de quadrilhas que estariam usando a rede de relacionamento Orkut para negociar drogas sintéticas, o delegado Luiz Marcelo Xavier explica que alguns envolvidos presos não pareciam ter noção da gravidade de seus atos:

¿ Eles chamam ecstasy de balinha. Combinam venda pela internet ou por telefone, compram e revendem. Alguns visam ao lucro, aceitam fazer o negócio para garantir o próprio consumo. Também há os que fazem isto para conseguir um maior status no grupo. Eles só percebem a gravidade do crime que estão praticando quando, depois de presos, seus pais não conseguem tirá-los da cadeia.

COLABOROU Paula Autran