Título: MODISMO QUE IMPULSIONA O CONSUMO
Autor: Elenilce Bottari
Fonte: O Globo, 02/04/2006, Rio, p. 23

Usuários descrevem suas experiências e afirmam que não são dependentes

Num ponto, o delegado regional de Polícia Federal no Rio, delegado Roberto Prel; o ex-chefe de Polícia Civil, Álvaro Lins, e os jovens parecem concordar. Todos atribuem o crescimento do tráfico de ecstasy e outras substâncias sintéticas ao modismo. Segundo Prel, o preço da droga aqui é muito alto, razão pela qual ainda não atraiu qualquer grande rede de tráfico.

¿ Aqui ela está restrita às classes média e alta. É um modismo. Ela tem um mercado ainda restrito, de pessoas que podem pagar para isto ¿ diz ele.

O GLOBO conversou com jovens que se dizem usuários de ecstasy. Para a maioria, a droga faz parte de festas, eventos. Eles não se dizem dependentes e nem acreditam que estejam traficando, embora já tenham comprado para repassar a amigos.

¿ É simples. Primeiro a gente decide qual o programa da noite. Se for uma festa ou uma boate, a gente vê quem quer. Aquele que conhece a fonte compra para todos. Sim, porque quem vende não gosta de ficar passando para todo mundo. Prefere entregar a um só, que repassa aos amigos ¿ conta X.

De acordo com ele, o segundo passo é escolher o local de encontro, normalmente no endereço do evento.

¿ A gente espera a hora e toma todo mundo junto. Eu, particularmente, gosto de fazer isto em festa que toque trance. A gente fica sensível, mais afetuoso. Afinal, é a droga do amor.

¿Deu uma tremenda taquicardia¿

Já sua amiga B. diz que tentou usar duas vezes, mas não se deu bem com a balinha.

¿ Deu uma tremenda taquicardia. Sinceramente não é minha praia, apesar de ter várias amigas que gostam ¿ comenta B., à saída da academia.

G., de 19 anos, diz que é uma forma de se relacionar:

¿ Deixa a gente mais confiante, menos tímido. E tem uma vantagem: quando você tem a balinha para dar para as garotas, você vira o cara.

De ¿o cara¿ a ¿o trouxa¿ da turma, é apenas um flagrante.

O especialista em psiquiatria forense Sander Fridman lembra que modismos não são apenas hábitos passageiros e necessariamente superficiais.

Segundo ele, substâncias que modificam o estado mental sempre foram empregadas em ritos e festividades, culturais e religiosas, por todos os povos. E é normal que, num mundo em transformação cultural-antropológica acelerada, também se transformem os ritos e as substâncias a eles associadas.

¿ O ecstasy, com seus supostos efeitos socializante e ativador, parece o antídoto esperado para a excessiva competição, o individualismo e o cansaço, prevalentes no século da paranóia e da depressão. Nos anos 60, e mesmo hoje, a maconha afirmava o ideal de serenidade e compartilhamento social, em oposição aos grupos pró-militaristas e socialmente agressivos.

Sander Fridman alerta para o risco de a sociedade sair criminalizando seus filhos toda vez que uma nova substância é lançada e proibida:

¿ A Lei de Tóxicos não define quais são as substâncias proibidas. Uma comissão de técnicos, distante do povo e dos movimentos culturais, decide sozinha quais símbolos e modas químicas serão autorizados, bem como quais serão atingidas pelas maiores condenações do Código Penal, sem que o Parlamento seja chamado ao debate e à aprovação. Mesmo tratando-se claramente de matéria de usos e costumes, e não, como se pretende, única e exclusivamente técnica. Esta é a maior causa de criminalidade e violência no país, levando a amputação de segmentos demográficos de homens jovens, vista somente em sociedades conflagradas.

Especialista condena cigarro e álcool

O psiquiatra considera que é absurda a idéia de que, se as substâncias mais inócuas fossem liberadas, aumentaria então o consumo das mais perigosas, porque as pessoas querem consumir só o que é proibido. Fosse assim, pondera, o cigarro e o álcool seriam desprezados, o que, segundo ele, infelizmente, não acontece.

¿ Alguém já foi enquadrado como traficante de drogas por vender bebida alcoólica ou cigarros para menor de idade? Pois a Lei de Entorpecentes assim o prevê ¿ observa.

Segundo ele, a realidade da lei vale na prática apenas para atemorizar e controlar grupos com cortes ideológicos e culturais especiais. Para Sander Fridman, o álcool e o cigarro sim, mereceriam uma ação mais contundente da sociedade devido à mortalidade, ao grau de dependência e aos prejuízos econômicos que acarretam.