Título: A BATALHA PELA AMÉRICA LATINA
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 02/04/2006, O Mundo, p. 42

Chefe militar adverte que Estados Unidos perdem terreno para a China e o terror

Enquanto o Congresso dos Estados Unidos e a Casa Branca discutem uma nova lei de imigração, tentando conter a entrada ilegal de latino-americanos no país, o Pentágono está profundamente preocupado com duas outras invasões justamente do outro lado da fronteira: na América Latina.

Uma é a da China, que segundo o general Bantz J. Craddock, chefe do Comando Sul, responsável pela vigilância americana em toda a região, vem cativando tanto as forças armadas latino-americanas que alguns países já estão enviando militares para realizar cursos e participar de treinamentos em Pequim. Além disso, há um crescente fornecimento de armas aos países da região.

¿ O nível de assistência militar chinesa à América do Sul e ao Caribe está triplicando. Estamos vendo um movimento perturbador. Oficiais e suboficiais da região estão indo para cursos e treinamento na China. Isso é um fenômeno crescente e especialmente preocupante. Segundo me informaram, essas atividades são feitas em espanhol ¿ disse Craddock dias atrás à Comissão das Forças Armadas da Câmara, segundo transcrição obtida pelo GLOBO.

A outra invasão que preocupa o Pentágono é algo que há pelo menos quatro anos vinha sendo denunciado, mas que agora adquire um tom mais incisivo: a suposta concentração de grupos terroristas internacionais na América do Sul.

¿ Continuamos vendo grupos extremistas islâmicos operando em vários enclaves na região ¿ afirmou o general a essa comissão parlamentar e, posteriormente, a um grupo idêntico do Senado.

Continente teria cinco focos de terror islâmico

Segundo ele, existiriam cinco focos na América do Sul ligados ao Hezbollah, ao Hamas e também à al-Qaeda. Não se tratariam, por enquanto, de células de treinamento. Mas núcleos ¿que dão apoio nas áreas financeira e de organização¿.

Craddock, veterano da Guerra do Golfo, em 1991, e da guerra do Iraque, em 2003, evitou mencionar detalhes mais específicos nos depoimentos ¿ uma vez que a transcrição ficaria disponível ao público. Mas em documento secreto entregue à Câmara e ao Senado, ele informou quais seriam os países que estão enviando militares para treinar na China e, também, os cinco focos de terrorismo islâmico que mencionara verbalmente. No depoimento oral, limitou-se a dizer que os núcleos ficariam ¿em espaços não controlados por governos e que podem se tornar refúgios para terroristas¿.

¿ Não posso relevar muito nesse tipo de sessão. Posso informar secretamente. Aqui só posso dizer que estamos vendo um trânsito contínuo de militantes da al-Qaeda pela região ¿ disse o general.

Uma fonte parlamentar revelou, confidencialmente, que a Venezuela seria um dos países que participam do programa chinês. Sabe-se ainda que o Brasil firmou uma parceria que estabelece um intercâmbio de oficiais entre a Escola Superior de Guerra e a Universidade Nacional de Defesa, na China.

Essa tendência pró-China, segundo Craddock, é manifestada por 11 países. O que há em comum entre eles, nesse aspecto, é que por terem se recusado a assinar um acordo com os EUA ¿ garantindo imunidade (perante a Corte Criminal Internacional) a militares americanos em qualquer incidente que viessem a se envolver em seu território ¿ o Pentágono está proibido, por uma lei criada há três anos, de convidar militares desses países para cursos e treinamentos.

¿ Alguns países afetados por essa lei são cruciais para nós, como o Peru, o Equador, o Brasil e a Bolívia ¿ disse ele.

Hillary Clinton diz que problema deve ser encarado

Por isso, Craddock vem fazendo um lobby intenso no Congresso na tentativa de conseguir a revogação da lei, acenando com riscos e ameaças reais ou imaginários. Até mesmo a senadora democrata Hillary Clinton se assustou com o cenário pintado pelo general:

¿ Esse é um dos problemas mais sérios que enfrentamos e não estamos, de modo algum, encarando-o de forma abrangente. Precisamos não apenas fazer soar o alarme, mas tentar exigir ou sugerir um enfoque mais amplo, começando por desfazer as restrições que impedem que treinemos militares da região. O que estamos fazendo no momento é enviar exatamente um sinal equivocado, que está criando uma grande abertura (para o avanço da China).