Título: RÚSSIA, A TERRA ONDE OS ASTRONAUTAS SÃO DEUSES
Autor: Roberta Jansen
Fonte: O Globo, 02/04/2006, O Mundo, p. 46

Eleitos para ir ao espaço recebem tratamento de heróis e homenagens estão em toda parte

MOSCOU. Num país que aprendeu a não acreditar em Deus, reina a crença na ciência. Envoltos numa aura digna de santos, os cosmonautas (como os russos chamam os astronautas) ocupam lugar de destaque no panteão dos heróis nacionais da Rússia. São reverenciados como parte de uma casta exígua de predestinados, dotados de múltiplos talentos, dentre eles o maior de todos: a capacidade de ganhar o espaço. Ruas, avenidas e escolas têm nomes de astronautas. Estátuas estão por toda parte. Museus sobre o programa espacial russo e seus maiores astros se multiplicam pelo país. Há uma data nacional somente para eles, 12 de abril.

Gagarin é o ídolo máximo e até inspira rituais

Até hoje, 99 russos já foram ao espaço desde 1961, quando Yuri Gagarin se tornou o primeiro homem a entrar em órbita da Terra. Não por acaso, ele é o mais idolatrado dentre os conquistadores do Cosmo. Sua morte prematura, aos 34 anos ¿- sete anos após seu primeiro e único vôo espacial, num trágico acidente de avião cujas causas permanecem envoltas em mistério ¿ contribuiu para a construção do mito. Sua imagem é onipresente, ostentando o capacete com a inscrição CCCP em vermelho e o indefectível sorriso.

¿ Os eleitos são sempre talentosos em diversas áreas e extremamente carismáticos ¿ afirma Valentina Zacharova, mulher de um astronauta e guia do Museu do Centro de Treinamento de Cosmonautas, na Cidade das Estrelas, nas cercanias de Moscou. ¿ Eles têm algo difícil de definir, é impossível não reagir a eles.

Cada cosmonauta é selecionado de um grupo de três mil candidatos. Não é de se estranhar que os escolhidos sejam não só excepcionalmente capazes em sua área específica de atuação, mas exibam também muitos outros talentos.

¿ Claro, eles são heróis para nós ¿ admite Valentina. ¿ Formam um grupo muito importante para a nossa sociedade

Não é à toa que tudo o que envolve cosmonautas e preparativos para lançamentos é repleto de rituais e superstições, seguidos à risca por todos os que voam pelo programa espacial russo, inclusive Marcos Pontes. A maior parte dos ritos é uma homenagem a Gagarin.

Quando os tripulantes de uma missão são definidos, eles se reúnem numa cerimônia solene realizada no escritório de Gagarin, levado para o museu da Cidade das Estrelas e mantido exatamente como o astronauta o deixou antes de morrer. Lá, os viajantes assinam o livro dos cosmonautas. Na tarde que antecede um lançamento, toda a sua tripulação assiste ao filme ¿O sol branco do deserto¿.

Admiração dos russos começa na infância

As desventuras de um revolucionário em luta contra o Exército Branco dos czares não tem absolutamente nada a ver com conquista espacial. Mas foi o filme a que Gagarin assistiu na véspera de seu vôo pioneiro. A música que toca no ônibus que leva os cosmonautas à base de lançamento é a mesma que Gagarin ouviu quando fez o trajeto. A expressão usada por Gagarin ao embarcar na Vostok, ¿paiéchale¿ (vamos, em russo), é repetida pelos cosmonautas dentro dos foguetes.

Na volta, mais ritos. Cada astronauta planta uma árvore na Alameda dos Cosmonautas, em Baikonur, no Cazaquistão, onde são feitos os lançamentos e os resgates. Na Cidade das Estrelas, as tripulações cruzam a pé a chamada Alameda dos Heróis e se apresentam à estátua de Gagarin. Aos pés de seu patrono, depositam coroas de flores. Quando aparecem em público, em geral para prestigiar um lançamento como o da semana passada, são apontados como celebridades.

¿ Olha lá, a Valentina está aí ¿ sussurrava para uma amiga uma adolescente presente ao lançamento de 13ª Missão, apontando para Valentina Tereskova, a primeira mulher a ir ao espaço, em 1963.

¿ Está vendo aquele astronauta ali? Ele é recordista em viagens espaciais, já esteve em órbita da Terra seis vezes ¿ explicava um aficionado, mostrando Sergei Kukaliov. ¿ Aquele outro ali é o Alexei Leonov, o primeiro a fazer uma caminhada no espaço.

A admiração é cultivada desde cedo. O Museu do Centro de Treinamento, fechado ao público em geral por estar localizado numa base militar, é freqüentado diariamente por crianças. As visitas fazem parte do currículo das aulas de História das escolas, sobretudo nas vésperas do Dia Nacional dos Cosmonautas. Denis, de 12 anos, adora futebol e sabe na ponta da língua o nome de diversos jogadores, a maior parte deles brasileiros. No entanto, não hesita ao afirmar:

¿ Os cosmonautas são os primeiros a fazer investigações importantes no espaço.

Sua colega de turma, Vitória, de 12 anos, resume:

¿ Eles são heróis.(R.J.)