Título: CAMPANHA PELO VOTO VÁLIDO
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 03/04/2006, O País, p. 4

Você se lembra em quem votou para deputado em 2002? Caso se lembre, sabe o que ele andou fazendo, os projetos apresentados, como votou, que atitudes teve no Legislativo? Nossa representação parlamentar pode ser ruim, péssima, abaixo da crítica. Mas ninguém chegou lá sozinho.

Haverá sempre um sistema partidário e eleitoral exaurido a servir de desculpa. É o voto proporcional que desvincula os detentores de mandato de seus partidos, é o distanciamento entre representantes e representados que começa mal se acaba a eleição, são os usos do clientelismo e os abusos do poder econômico que a Justiça Eleitoral não consegue coibir.

Há que se somar ainda a essa receita desandada de democracia representativa o fato de as eleições para os Legislativos coincidirem com o pleito para presidente da República e governadores, todos com os mesmos quatro anos de mandato. Coincidência que o presidencialismo à brasileira ¿ um sistema em que ainda se trabalha com a ilusão de que é possível eleger um pai de todos para salvar a pátria ¿ deixa em segundo plano as campanhas para os Legislativos. Pouco se vê ou se ouve falar de propostas de candidatos a deputado, menos ainda de suas folhas corridas.

É possível alegar tudo isso, e muitas distorções mais, para justificar o fato de que votamos mal e que o parlamento não é hoje o retrato fiel da sociedade brasileira. Sempre haverá controvérsias quanto ao segundo ponto, e nem se pode, obviamente, contrapor a imagem de uma sociedade pura e ética à de um Congresso aético e corrompido. A realidade não é essa, e boa parte das mazelas do Parlamento é reflexo das que nascem na própria sociedade. Não há, e nunca haverá, povo ou representação perfeitos.

É certo que a legislatura de 2002 caprichou quando entrou na fila para ser ruim. E as pesquisas mostram que os 513 deputados vão enfrentar um duro acerto de contas com as urnas em outubro. O que leva muitos a prever grande renovação na Câmara (o Senado elegerá apenas um terço de seus membros, e não está tanto assim na mira da opinião pública).

E é aí que mora o perigo. Achar que deixando de votar nesses que aí estão, e votando em outros, mas seguindo os hábitos e regras de sempre vamos estar melhorando a qualidade do Legislativo pode ser um erro. Essa é, aliás, preocupação de alguns deputados eleitos pelo chamado voto de opinião dos grandes centros urbanos e do eleitorado mais esclarecido.

Alguns temem acabar pagando o pato em outubro, ou seja, ganhar bola preta de seu eleitorado mais bem informado, enquanto uma outra fatia, eleita pelos currais eleitorais e velhos métodos clientelistas de sempre, conseguiria se eleger. E aí, qual a vantagem da renovação?

Um jeito de tirar uma boa lição dos tristes escândalos dos últimos tempos no parlamento seria prestar atenção às campanhas proporcionais. Até porque o mesmo presidencialismo à brasileira que eleva ao pedestal um presidente que parece ter nas mãos as soluções para tudo não dá a esse sujeito condições de governar sem maioria parlamentar.

Costumamos pensar muito na hora de escolher um candidato a presidente. E dedicamos pouquíssimo tempo às escolhas para o Legislativo, geralmente movidas por razões que pouco têm a ver com ética, idéias ou propostas para o país.

Assim como a campanha pelo voto nulo que invadiu a internet e, assustadoramente, parece estar entusiasmando muita gente, essa é uma das formas de desperdiçar o único instrumento legítimo de que dispomos para mudar.

Os pobres e os ricos

Geraldo Alckmin está sendo aconselhado por aliados a abandonar o modelito Daslu, que não vem dando certo e o identifica com os ricos. Lula, por seu lado, poderia estar preocupado em não perder o apoio das elites e classes médias ¿ sem as quais pode se reeleger, porém dificilmente governar. Mas vem sendo instigado por parte do PT a assumir um discurso de candidato dos pobres, em contraposição aos ricos.

A cúpula do PT discutiu essa estratégia na última reunião a portas fechadas do diretório. Junte-se a isso a saída de Palocci, principal interlocutor do governo junto ao PIB, e a chegada de Tarso Genro com afirmações como a de que as elites não têm cura e corrompem o país há 500 anos, e o sururu já pode estar feito.

PS. Vou dar férias a vocês nas três próximas segundas-feiras. Até a volta.