Título: OBRA DE MAQUIAVEL
Autor:
Fonte: O Globo, 03/04/2006, Opinião, p. 6

Aaprovação, pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado, do PLS 296/03, de nossa autoria, abriu portas para que seja extinto o fator previdenciário, um redutor das aposentadorias criado pela lei 9.876/99 durante a reforma da previdência promovida pelo governo FH.

Na fórmula de cálculo do fator previdenciário é considerada a tábua de vida elaborada pelo IBGE para determinar a expectativa de sobrevida no momento da aposentadoria. Não é, de forma alguma, um instrumento adequado para cálculo atuarial. E mais: desde dezembro de 2003 a situação se agravou com a abrupta variação na expectativa de sobrevida aferida pelo IBGE, o que levou a uma redução média de 16% no valor das aposentadorias dos trabalhadores.

Essa variação trouxe uma situação inusitada. Tome-se o exemplo de dois segurados nas mesmas condições: ambos se filiaram ao INSS com 18 anos de idade e tinham, em novembro de 2003, 57 anos de idade e 39 de contribuição. O primeiro resolveu se aposentar e teve aplicada a tábua de sobrevida de 2001. O segundo resolveu adiar o pedido de aposentadoria para novembro de 2004, quando teria 58 anos de idade e 40 de contribuição, para obter uma aposentadoria um pouco maior. Como a tábua aplicada foi a de dezembro de 2003, seu fator previdenciário foi igual a 0,9648 e seu benefício inicial, menor do que o outro cidadão.

O fator previdenciário é tão perverso que, de forma maquiavélica, só é aplicado para os mais pobres. Hoje um ministro do Supremo Tribunal Federal se aposenta com R$24 mil e a esse valor não é aplicado o fator previdenciário. Um trabalhador que iria se aposentar com R$2 mil poderá ter sua aposentadoria reduzida para R$1.400, se homem e, no caso das mulheres, R$1.300. Não há injustiça maior que tratar de forma igual os desiguais.

PAULO PAIM é senador (PT/RS) e SERGIO MIRANDA é deputado federal (PDT/MG).