Título: Não é demérito
Autor:
Fonte: O Globo, 03/04/2006, Opinião, p. 6

OBrasil é um dos poucos países, junto com o Irã e o Iraque, a manter a aposentadoria por tempo de contribuição no regime geral da previdência pública, sem que tal direito esteja também vinculado a uma idade mínima. A reforma da previdência negociada durante o governo Fernando Henrique Cardoso definia a idade mínima de 60 anos, mas essa cláusula foi rejeitada pelo Congresso. Na reforma aprovada durante o governo Lula, conseguiu-se estipular a idade mínima para os funcionários públicos, que têm um regime especial (os servidores não se aposentam; eles se tornam inativos).

A saída encontrada para desestimular a aposentadoria precoce foi a instituição de um fator previdenciário que considera no cálculo do valor do benefício de quem se aposenta por tempo de contribuição a expectativa de vida da população, estimada pelo IBGE a partir dos dados dos censos demográficos e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).

Assim, quem se aposenta mais cedo sofre um corte no benefício que, de certa maneira, é compensado pelo maior número de anos em que provavelmente os pagamentos serão feitos.

O fator previdenciário é assim um instrumento de justiça, pois a previdência é um mecanismo pelo qual aqueles que trabalham se solidarizam com os que perdem a capacidade de trabalhar, seja por motivo de idade ou saúde. Ora, a aposentadoria precoce quebra esse princípio, e à medida que aumenta o déficit da previdência, impõe um ônus adicional ao conjunto da população, via cobrança de impostos pelo estado.

Trabalhar não é demérito. E com a previdência suplementar, cada indivíduo pode poupar para si mesmo caso deseje se aposentar precocemente. O que não se pode é dar o mesmo tratamento para a previdência pública, que funciona pelo regime de repartição de recursos, e ninguém poupa para si. Assim, acabar com o fator previdenciário, como quer o Senado, seria um retrocesso monumental