Título: A dor dos pais quando a polícia bate à porta
Autor: Elenilce Bottari
Fonte: O Globo, 03/04/2006, Rio, p. 12

Em dois anos, 50 famílias de classe média viram os filhos serem presos por tráfico: 90% são universitários

O dia 21 de julho de 2005 marcou para sempre a vida de 13 famílias de classe média de Niterói, Rio e Região dos Lagos. Era o início das operações Oceânica e Lagos, que desbarataram uma quadrilha de traficantes, todos jovens, que usava a rede de relacionamentos Orkut, na internet, para negociar ecstasy e skank . Surpresos com a chegada dos agentes civis, esses jovens sequer desconfiavam que três meses antes a polícia começara a rastrear seus passos, por meio de interceptações telefônicas, mensagens na rede e infiltrações em festas, shoppings e boates. Alheios aos riscos, alguns deles chegaram a fazer leilões na internet para venda de ecstasy e comentavam o sucesso de suas empreitadas durante festas, deixando registrados datas, nomes e telefones.

A operação, chefiada delegado Luiz Marcelo Xavier e acompanhada pela chefia de Polícia Civil, resultou na prisão e na denúncia dos 13 jovens: três foram absolvidos, um condenado e nove continuam presos na 76ª DP enquanto esperam julgamento.

Pena para crimes pode ir de três a 15 anos de prisão

Nos últimos dois anos, pelo menos 50 famílias viveram o constrangimento de ver a polícia batendo à porta para levar seus filhos, dando início a uma peregrinação por delegacias, advogado e casas de custódia. Dos sonhos de vê-los formados à dor de descobrir que foram condenados por tráfico, as classes média e alta assistem à mudança do perfil criminal do Rio. Estatísticas das polícias Civil e Federal mostram que 90% dos traficantes de drogas sintéticas são universitários ou recém-formados, muitos esportistas.

¿ A família é sempre quem mais sofre, porque sequer imaginava que o filho pudesse estar envolvido com drogas. Ainda mais como réu. É sempre um choque ¿ explica o advogado criminal Patrick Berriel.

Segundo ele, a primeira vez que o pai de um de seus clientes acusados de tráfico de ecstasy foi ao escritório estava tão desesperado que teve um princípio de enfarte.

Segundo Berriel, os pais não são os únicos surpresos:

¿ A maioria dos jovens não tem o conhecimento real da ilicitude praticada, não sabem o que significa crime hediondo, não tendo qualquer conhecimento dos riscos que correm. E quando vão de encontro à realidade, descobrindo que podem pegar de três a 15 anos de prisão, eles ficam realmente surpresos ¿ diz o advogado.

Delegado: criminosos acham que não serão apanhados

Berriel defende, dependendo do caso, a aplicação de penas alternativas como forma de punir e ressocializar o jovem, dando a ele uma nova chance de vida e à sociedade, um aliado no combate ao tráfico:

¿ A pena alternativa serve principalmente à sociedade, pois obriga o condenado a fazer algum trabalho social que vai contribuir na prevenção de outros casos. E dá ao jovem uma chance única de se reabilitar.

Ex-chefe de Polícia Civil, delegado Álvaro Lins acha que muitos jovens presos não têm noção do tamanho do problema em que estão se metendo. Mas isso, alerta ele, não pode servir de desculpa para o crime:

¿ Eles sabem que estão traficando, mas não acreditam que serão pegos. Acham que o ecstasy é uma droga limpa, não tem nada a ver com morro. Muitos fazem isso para chamar a atenção do grupo, para exercer alguma forma de poder, mas a maioria faz porque vê a oportunidade de fazer dinheiro rápido.

Segundo Álvaro, está na hora de a sociedade tomar mais cuidado com seus filhos, de cobrar deles quando perceberem sinais exteriores de riqueza:

¿ O que eles estão fazendo é tráfico, crime hediondo . E é um tráfico mais fácil de apurar, porque ao contrário das favelas, onde muitos traficantes sequer têm certidão de nascimento, os envolvidos são pessoas identificáveis, com endereço e telefone.

Se há dois anos, apenas 20% das drogas eram apreendidas fora das favelas, hoje o percentual chega a 50%. Só em 2005, a Polícia Civil prendeu, em aeroportos, raves e boates, 69 traficantes bem-nascidos. Na Barra da Tijuca, onde a renda média familiar é de R$5.500 ¿ segundo dados do IBGE ¿ a polícia acredita que 40% dos condomínios tenham pontos de venda de droga, alguns dirigidos por moradores.

Até no tráfico de maconha ¿ droga mais vendida no mundo e comum em favelas cariocas ¿ o perfil dos traficantes está mudando. Um censo feito pela Secretaria estadual de Administração Penitenciária mostra que 15% dos presos têm renda familiar de mais de cinco salários mínimos. E nada menos que 5% dos detentos são de classe média alta ou ricos.

Segundo inspetora, jovens sabem o que estão fazendo

O advogado Carlo Uberth Luchione, que também viu crescer o número de casos em seu escritório, alerta para o risco de a Justiça condenar esses jovens considerando apenas a letra das leis de entorpecentes e de crime hediondo, que prevêem penas de três a 15 anos em regime fechado:

¿ Condenar um jovem a regime fechado num presídio do estado, onde não há separação por crime e sim por facções criminosas, é o mesmo que condená-lo à morte. Não estou dizendo que pobre tem que ir para cadeia e rico não. Apenas que o jovem, que estuda, que nunca pegou em armas, não tem a mesma periculosidade de outro, que desde os 9 anos trabalha para uma facção criminosa e que já matou.

A inspetora Marina Maggessi, chefe do Setor de Investigações da Delegacia de Repressão a Entorpecentes, discorda:

¿ Eles não têm sequer a desculpa do social. Fazem porque ganham muito dinheiro traficando, e dinheiro rápido. E também não vendem só ecstasy. Eles são chamados de delivery, porque o usuário não precisa mais ir ao morro comprar. Basta ligar para eles e encomendar. Na Barra, esses jovens moram em condomínios caros, muitos ganham mesada dos pais, mas vêem no tráfico dinheiro fácil para alcançar o padrão de consumo que ambicionam. Enquanto isso, muitos pais continuam omissos ao que acontece com o resto da cidade. No castelo de seus condomínios, fingem que não está acontecendo nada.