Título: MENOS QUE RUANDA
Autor: George Vidor
Fonte: O Globo, 03/04/2006, Economia, p. 14

O Brasil não corria o risco de ser o lanterninha do crescimento econômico mundial por causa da região mais pobre da África, mas isso deixou de ser verdade. A África subsaariana já vem crescendo mais que o Brasil. Mesmo países que passaram por guerras fratricidas, como Ruanda, têm crescido a um ritmo de 4% ao ano. Se o Brasil atingir esse patamar em 2006, vamos comemorar.

O economista Cláudio Fritschak fez alguns cálculos para o Banco Mundial e concluiu que essa recuperação africana não se deve apenas à alta dos preços do petróleo. Cerca de 40% dos países da África subsaariana não produzem óleo e apresentam uma média de crescimento econômico acima de 3,5% (no Brasil, desde 1980, estamos patinando na média de 3%). É claro que entre os produtores de petróleo ¿ e onde não há guerra civil ¿ há desempenhos extraordinários, a exemplo da Guiné Equatorial, que chega a crescer 22% ao ano.

Alguns economistas acreditam que, por falta de investimentos, o potencial de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no Brasil já retrocedeu de 3,5% para 3% ao ano, na média. Quando esse potencial é ultrapassado, a inflação ressurge ou as contas externas voltam a se desequilibrar.

Para se ter uma idéia do que representa uma diferença de apenas 0,5 ponto percentual na taxa de crescimento em termos históricos, o economista Armando Castelar, do Ipea, lembrou outro dia que tal percentagem foi exatamente o que os Estados Unidos evoluíram a mais do que ao Brasil, ao ano de 1820 o fim do século XX. No ponto de partida da estatística, a renda média da população brasileira correspondia à metade da que os americanos possuíam. Na última década do século XX, a renda dos brasileiros correspondia a um quinto da renda dos americanos.

A tese do PIB potencial é rejeitada por outros economistas, mas na prática tem prevalecido e seria uma das justificativas para o Banco Central executar a política monetária com juros absurdamente altos.

Mas se a África subsaariana está conseguindo se recuperar, existe esperança também para o Brasil.

A Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), que ficará no distrito industrial de Santa Cruz, vai montar também uma usina termelétrica no local, aproveitando os gases residuais na fabricação de aço. A usina terá uma capacidade de geração de 400 megawatts e aproveitará 180 MW para consumo próprio. O excedente será oferecido ao mercado, provavelmente já no próximo leilão de energia elétrica. A térmica deve entrar em operação com o alto forno e a aciaria da CSA, em 2008. A CSA é uma associação do grupo alemão ThyssenKrupp com a Vale do Rio Doce.

Com a ascensão de Guido Mantega para o Ministério da Fazenda, os projetos de construção das grandes hidrelétricas do Rio Madeira, em Rondônia, ganha um forte aliado na alta cúpula do governo. Mantega se entusiasmou pelo empreendimento e não chega a se preocupar com o investimento que será necessário em linhas de transmissão para que o excedente de energia de Rondônia abasteça o Sudeste ou o Nordeste. Na opinião do agora ministro, as hidrelétricas do Rio Madeira poderiam vir na frente do projeto de Belo Monte, no Rio Xingu (Pará), que muita gente no setor elétrico considera tecnicamente mais viável.

Uma refinaria petroquímica que utiliza petróleo pesado como matéria-prima não é comum na indústria, mas a Petrobras se habilitou a essa tecnologia com a experiência que acumulou a partir da criação da Fábrica Carioca de Catalisadores (FCC) junto com os holandeses da Akzo na década de 80. As refinarias tradicionais fracionam o petróleo de modo a produzir mais derivados como o óleo diesel, a gasolina e o querosene, classificados como produtos médios. No caso da refinaria petroquímica, a produção estará voltada para produtos mais leves, como o eteno e o propeno, que são insumos básicos da indústria petroquímica. No Brasil, três grandes centrais petroquímicas usam a nafta derivada do petróleo como matéria-prima, e a quarta (Riopol), que recém estreou, parte de frações do gás natural (etano, que corresponde a cerca de 15%, e propano, 12%). Já a futura refinaria petroquímica de Itaboraí partirá do petróleo pesado da Bacia de Campos.

Desde que os bolchevistas assumiram o poder na Rússia, a discussão filosófica sobre se os fins justificam os meios ou se os meios comprometem os fins divide as esquerdas. No pós-guerra, os existencialistas foram uma espécie de consciência crítica nessa questão ao passar a limpo o papel da resistência francesa durante a ocupação nazista. Sartre chegou a escrever em um de seus romances na época que, mesmo por uma boa causa, é possível que todos saiam com as mãos sujas quando os fins justificam os meios.

Os existencialistas já foram esquecidos, não há mais bolchevistas no poder, e sem dúvida nos partidos de esquerda há muita gente que não se alinha com a idéia de que os fins justificam os meios. Mas esse pensamento, infelizmente, não foi o que prevaleceu neste governo do presidente Lula, caso contrário o ministro Palocci teria deixado a pasta da Fazenda em outras condições, no lugar de uma saída dantesca.