Título: DIPLOMACIA DE PRESSÃO NO IRAQUE
Autor:
Fonte: O Globo, 03/04/2006, O Mundo, p. 17

Em visita inesperada a Bagdá, Condoleezza e Straw tentam apressar saída de premier

BAGDÁ

Asecretária de Estado americana, Condoleezza Rice, e o ministro do Exterior britânico, Jack Straw, fizeram ontem uma visita surpresa a Bagdá para pressionar líderes políticos iraquianos a romper um difícil impasse e formar um novo governo de unidade capaz de afastar o fantasma de uma guerra civil no país. A visita dos dois chefes de política externa ¿ que chegaram juntos no avião dela, vindo de Liverpool (Inglaterra) ¿ teve também o claro objetivo de pressionar o primeiro-ministro iraquiano, Ibrahim al-Jaafari, a deixar o poder.

Em meio a um atraso de quase quatro meses dos líderes iraquianos para formar um governo, Condoleezza se reuniu com líderes xiitas, sunitas e curdos para dizer-lhes, segundo ela mesmo contou:

¿ O povo iraquiano está perdendo a paciência. Mais que isso, seus aliados internacionais querem ver isto (o novo governo) pronto.

Para a secretária, o futuro do Iraque se tornou vulnerável a uma guerra civil ¿ conflitos sectários explodiram no país depois de um atentado contra uma importante mesquita xiita em fevereiro.

¿ Eu expliquei que, considerando o sacrifício, as pessoas esperam que o processo continue e ele não pode estancar agora na fase mais importante ¿ disse Condoleezza.

No centro das dificuldades para formar um novo governo está Jaafari, que tem sido rejeitado dentro e fora de seu país, enquanto critica a interferência dos EUA no Iraque. O próprio presidente George W. Bush já lhe enviou um carta dizendo que não o aceitaria num segundo mandato. Anteontem, o principal partido da aliança xiita que o sustenta no governo pediu pela primeira vez que deixe o cargo em nome de um consenso nacional. Também líderes das minorias sunita e curda já deixaram claro que não integrarão um Gabinete liderado por Jaafari. Já o ¿New York Times¿, um dos principais jornais americanos, publicou ontem um editorial com duras críticas ao premier e pedindo seu afastamento.

Frieza em encontro da secretária com Jaafari

A deterioração da relações entre os EUA e o premier iraquiano ficou evidente quando Condoleezza e Jaafari tiveram uma conversa fria e rápida sobre o mau tempo ¿ chovia torrencialmente ¿ sob os olhares de repórteres. Os dois pareciam pouco à vontade e forçando sorrisos. Em contraste, Condoleezza saudou calorosamente o vice-presidente Abdul Mahdi, candidato ao governo iraquiano derrotado por Jaafari e considerado seu possível substituto.

¿ É maravilhoso encontrá-lo ¿ disse a secretária duas vezes a Mahdi.

Quando perguntado se o objetivo da viagem era forçar Jaafari a deixar o poder, Straw esquivou-se:

¿ Vamos reconhecer e respeitar quem quer que surja como líder nesse sistema. Nossa preocupação, porém, é de que eles têm que fazer progresso rapidamente.

Mas tanto assessores americanos quanto britânicos não esconderam as intenções dos dois líderes em relação a Jaafari, um médico que viveu longo tempo exilado em Londres e é apoiado pelo Irã. Segundo fontes da política iraquiana, em conversa com o presidente do Iraque, Jalal Talabani, Condoleezza e Straw disseram que Jaafari não tem condições de unir os iraquianos.

Antes das eleições legislativas americanas de novembro, Bush espera mostrar progresso no Iraque e começar a levar parte dos mais de 130 mil soldados americanos no Iraque de volta para casa. Mas episódios de violência no país ocupado continuam sendo constantes. Dezenas de cadáveres são encontrados todos os dias, o que é atribuído a esquadrões de extermínio e associado à violência sectária. Ontem, 42 corpos foram recolhidos em Bagdá e 17 pessoas morreram em ataques diversos no país. Em Ramadi, pelo menos cinco civis ¿ entre eles três crianças ¿ morreram num tiroteio entre tropas americanas e milicianos. Numa vila perto de Baquba, um atentado a bomba destruiu uma pequena mesquita xiita. Anteontem, um helicóptero americano foi derrubado em Bagdá, provavelmente por rebeldes, e seus dois tripulantes morreram.

Em Washington, o respeitado general de reserva Anthony Zinni pediu ontem a demissão do secretário de Defesa, Donald Rumsfeld.

¿ Uma série de erros desastrosos foi cometida (no Iraque) ¿ disse Zinni, que comandou as forças americanas no Golfo entre 1997 e 2000, em entrevista à TV NBC.