Título: A FÉ NA ATUAL POLÍTICA ECONÔMICA
Autor: ILAN GOLDFAJN
Fonte: O Globo, 04/04/2006, Opiniao, p. 7

Agora virou praxe. Todo ministro da área econômica assume prometendo fé eterna na atual política econômica. Não importa o que tenha dito ou feito no passado recente, nem o que realmente acredita. De certa forma, é reconfortante. Poucos estão dispostos a mudar o que parece estar na direção correta. E o mercado financeiro se tranqüiliza porque acredita que não haverá mudança no tripé da política econômica ¿ superávits primários, câmbio flutuante e metas para inflação. Mas, infelizmente, não basta apenas perpetuar o existente, é necessário um projeto coerente para o futuro. O que não avança, recua.

Tome, como exemplo, o superávit primário que, acredita-se, mede mais apropriadamente o esforço fiscal do governo. Nos últimos sete anos, o Brasil tem cumprido com folga as metas de superávit primário e isso tem permitido conquistar a credibilidade na área fiscal. Mas, como qualquer indicador isolado, o superávit primário não consegue mostrar toda a situação fiscal.

Nos últimos anos, a despesa pública cresce a taxas elevadíssimas ¿ no ano passado, o crescimento foi de 10% acima da inflação. Para alcançar as metas de superávit primário foi necessário aumentar sobremaneira a arrecadação, de tal forma que a carga tributária hoje aproxima-se de 40% do PIB e sufoca o setor privado. Uma extrapolação para o futuro dessa tendência mostra que, para preservar o superávit primário em 4,25% do PIB, seria necessário elevar a carga tributária para níveis irreais. Corremos o risco de desmoralizar o superávit primário como nosso indicador adequado para avaliar a situação fiscal. O mais provável é que, nesse caso, o superávit primário seja abandonado, o que aumentaria a relação dívida-PIB. Na ausência de reformas nessa área, vamos ter problemas.

Mas o novo ministro declara fé apenas na preservação dos superávits primários. Deixa claro que não vê necessidade em uma nova etapa na reforma da previdência e que não considera necessário um projeto fiscal de longo prazo, aos moldes do que sugeriu seu antecessor. Esse é um exemplo claro onde a falta de avanço implica o retrocesso.

E há muito que ganhar com o avanço. Por exemplo, no esforço de redução da taxa de juros. Hoje, o Brasil convive com taxas de juros reais um pouco acima de 10% ao ano. Vários países já tiveram taxas de juros até maiores que as do Brasil e foram capazes de reduzi-las acentuadamente em poucos anos. Há vários exemplos recentes. A Turquia, em apenas dois anos, conseguiu que suas taxas convergissem de 25% ao ano para níveis abaixo de 7%. A perspectiva de ingresso na União Européia serviu de âncora importante. Mas houve também uma redução de quase 8% do PIB nas despesas do governo. Como conseqüência, a inflação caiu significativamente, o que permitiu a queda da taxa de juros. Na América Latina, ocorreu o mesmo, mas sem a ajuda da proximidade com a União Européia. Por exemplo, no Peru, as taxas caíram de 16%, em 2001, para 2%, em menos de dois anos! Em todos os casos, a responsabilidade fiscal imperou, houve restrição no crescimento das despesas e a inflação caiu.

No Brasil, não temos uma âncora geográfica que auxiliaria na convergência dos juros para níveis mais baixos, mas temos uma perspectiva saudável de balanço de pagamento, que funciona como uma âncora substituta. E a inflação este ano já deve cair para um número em torno de 4,5%, o centro da meta. O espaço para a queda dos juros está dado. Para aprofundar e acelerar a queda dos juros (além da tendência), falta estabelecer um projeto fiscal de longo prazo, que resolva o problema do crescimento das despesas e que venha a iluminar um rumo futuro para a economia do país.

Em suma, é necessário um projeto que vá além do cumprimento dos superávits primários no curto prazo que, por ora, têm sido obtidos com aumentos da carga tributária e compressão dos investimentos, ambos prejudiciais ao crescimento econômico. Paul Krugman, economista renomado e colunista do ¿New York Times¿, cunhou a expressão ¿A era das expectativas diminutas¿, título de um dos seus livros, para descrever o então baixo estado de ânimo dos Estados Unidos com o seu futuro. Hoje, no Brasil, ter expectativas diminutas significa contentar-se em manter apenas o tripé macroeconômico, na sua versão simplória. Pregar apenas a sua manutenção resulta, na melhor das hipóteses, que nada irá mudar, inclusive as taxas de crescimento do país.

ILAN GOLDFAJN é professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio. E-mail: goldfajn@econ.puc-rio.br.