Título: Passaporte para a rua
Autor: Ruben Berta
Fonte: O Globo, 04/04/2006, Rio, p. 14

No regime semi-aberto, 65% dos menores fogem no 1º dia

Completando na última terça-feira sete dias além dos seis meses que deveria cumprir no Centro de Recursos Integrados de Atendimento ao Menor (Criam) de Santa Cruz, o jovem de 17 anos é uma exceção no regime de semi-liberdade para menores infratores no estado. Ao contrário das superlotadas unidades de internação ¿ conforme mostrou reportagem publicada no GLOBO domingo, há 900 jovens onde caberiam 600 ¿ os Criams estão esvaziados e representam, para muitos adolescentes, um passaporte fácil para as ruas. De acordo com a 2ª Vara de Infância e Juventude da capital, 65% deles fogem no mesmo dia em que chegam.

¿ Vai da pessoa. Quem quiser cumprir cumpre. Quem não quiser foge --- diz o rapaz, no Criam de Santa Cruz.

De acordo com um ofício da 2ª Vara obtido pelo GLOBO, em média apenas 20% dos menores cumprem a medida de semi-liberdade. Para o presidente da Comissão de Políticas Públicas de Juventude da Alerj, deputado Alessandro Molon (PT), a falta de atividades nas unidades é a maior causa da evasão. O próprio ofício da 2ª Vara alerta para a falta de profissionalização e de um projeto pedagógico unificado.

¿ Em geral, o estado não tem oferecido alternativas, atividades suficientes para manter os jovens nos Criams. Isso dificulta bastante o caminho da recuperação ¿ comenta Molon.

Na lista das medidas sócio-educativas, a semi-liberdade é umas das três opções da Justiça. Há ainda a internação e a liberdade assistida. Márcia Fernandes, defensora pública da Coordenadoria de Defesa da Criança e do Adolescente, conta que é comum em seu dia-a-dia a expressão ¿pular o Criam¿ (pular o muro da unidade). Ela critica a rigidez da Justiça ao optar pela regra de progressão de pena já que, segundo ela, a liberdade assistida tem obtido resultados bem mais satisfatórios:

¿ O juiz não é obrigado a partir de uma internação para uma semi-internação e terminar com uma medida de liberdade assistida. Depende muito da direção de cada Criam, mas, na liberdade assistida, a inserção na sociedade tem sido mais bem-sucedida. Em vez de ele ficar internado e só sair a cada 15 dias para ver a família, ele precisa fazer determinadas atividades, mas pode ficar mais com a família. É preciso que a Justiça seja mais maleável de acordo com cada perfil.

Psicóloga reclama de preconceito

No Criam de Santa Cruz, o clima era de tranqüilidade na semana passada. Apenas 19 das 32 vagas da unidade estavam ocupadas. Para atividades internas há uma pequena quadra de futebol com mato alto ao fundo, além de uma oficina de informática em parceria com uma ONG. A escola freqüentada pelos internos fica do lado de fora. A psicóloga Aparecida Esaki, que trabalha na unidade, conta que já teve histórias de sucesso na recuperação de jovens em oito anos de trabalho, mas reclama de dificuldades na hora de inseri-los no mercado de trabalho:

¿ Quando falamos de menores em situação de risco, a receptividade é bem melhor. O preconceito de empresários em relação ao menor infrator é muito grande. Muitas portas se fecham. E, sem oportunidades, a recuperação desses meninos fica muito mais difícil.

O jovem de 17 anos do Criam de Santa Cruz afirma que o roubo que praticou foi o primeiro e único. Ele conta que permaneceu na unidade por pressão dos pais. Sozinho num quarto com quatro camas, ele diz que os últimos seis meses foram bem melhores do que a curta passagem pelo Instituto Padre Severino, unidade de internação provisória na Ilha do Governador, que funciona atualmente com o dobro de sua capacidade.

--- Lá era um inferno: espancamentos, sujeira...

Na semana passada, o diretor da ONG voltada para os direitos humanos Projeto Legal, Carlos Nicodemus, esteve no Criam de Niterói e detectou o esvaziamento da unidade. Segundo ele, de 32 vagas apenas 11 estavam preenchidas. Um local voltado para atividades profissionalizantes estaria sendo usado como depósito. Um relatório com o resultado da vistoria na unidade será encaminhado esta semana ao Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente.

Existem atualmente no estado 17 Criams, administrados pelo governo estadual. Evandro Steele, ex-secretário estadual de Infância e Juventude (a pasta foi extinta na semana passada e incorporada à de Assistência Social), disse que a situação no Criam de Niterói melhorou após o afastamento da antiga direção da unidade no ano passado. Ele admite o esvaziamento da semi-liberdade, mas aposta num termo de ajuste de conduta (TAC), assinado com o Ministério Público, para minimizar os problemas nas outras unidades.

¿ Como parte do TAC, já assinamos um termo de cessão de espaço físico com a Secretaria de Educação, que passará a administrar os locais voltados para os cursos nas unidades. Temos que pensar como uma empresa que vai brigar contra o tráfico para atrair esse menino. Para isso, estamos apostando na formação profissional. Um exemplo são padarias que tínhamos desativadas e que estão retomando os trabalhos ¿ comentou Steele.

Apesar da situação tranqüila no Criam de Santa Cruz, a regra nem sempre vale para todos. No ano passado, diretores de duas unidades do interior foram afastados após denúncias de maus-tratos que incluíam até abuso sexual de menores. Uma comissão externa criada pelo estado está examinando pelo menos 50 sindicâncias em andamento por violações de direitos humanos nas unidades do Degase.