Título: `Foi o maior trauma que tive na minha vida¿
Autor: Paula Autran
Fonte: O Globo, 04/04/2006, Rio, p. 15

O advogado goiano Z. e a mulher ganharam de aniversário de 29 anos de casamento, no dia 31 de janeiro do ano passado, um ¿presente¿ que não imaginavam nem nos piores pesadelos. Um dia depois de chegarem ao Rio para passarem a data com o filho mais novo, Y., então com 21 anos, eles foram surpreendidos com a prisão do rapaz, acusado de envolvimento com um grupo ligado ao tráfico internacional de ecstasy. Bancado pelo pai, de uma família abastada de Goiânia, Y. morava na Avenida Sernambetiba, na Barra, e cursava faculdade de marketing quando foi preso. Passou 23 dias na carceragem da Polinter no Grajaú. Está em liberdade condicional e mudou de cidade para terminar os estudos.

Seu filho estava com drogas quando foi preso?

Z.: A quantidade que ele tinha era insignificante. Era coisa de usuário mesmo. Era maconha importada, skank. Ele só usou, graças a Deus, maconha e skank. Não chegou a barras mais pesadas, não. Ele foi preso por suspeita de tráfico. Tudo por causa de um grampo telefônico. Eram conversas de jovens. E a transcrição da polícia falava coisas que não existiam na fita. Foi manipulação. Outros dois jovens foram presos na ocasião, mas nós não acompanhamos.

Deve ter sido um susto. Como isso atingiu sua família?

Z.: Para ele, sim. Para mim, ninguém imagina o que foi. O trauma foi tão grande que acho que não esquecerei nunca mais. Não sofri 10% do que ele sofreu. E perdi dez quilos nessa fase.

A família nunca notou nada estranho, alguma mudança de comportamento?

Z.: Sendo muito sincero, um pouco de desconfiança eu tinha. Tive uma conversa com ele, sobre as companhias dele, quem eram aqueles amigos. Mas ele disse que não havia nada de errado. Ele tinha no Rio uma vida de milionário, coisa que não sou. Sou um cara trabalhador. O que você deixa para os seus filhos é educação. Deixar dinheiro é bobagem. Mas a justificativa de que ¿meu pai não me dava¿ não cola.

Há uma sensação de impotência, decepção ou de que a educação que se deu para o filho falhou?

Z.: Não, na minha opinião, isso não procede. Porque tenho dois filhos. Os dois foram criados do mesmo jeito. Um nunca me deu problema, nunca mexeu com isso. Tem 28 anos, é engenheiro pós-graduado e fala quatro idiomas. Eu o eduquei errado? Não, não concordo! Faltou alguma coisa minha? Não, não faltou. Talvez eu tenha sido muito bom pai. Todo lugar tem problema com drogas. Mas como o Rio não existe igual. Era uma cidade aonde eu adorava ir passear. Hoje não quero ir nunca mais.

Ele conseguiu dar a volta por cima? A família superou o trauma?

Z.: Espero que sim. Uma coisa dessa você tem que engolir e digerir, querendo ou não. Não há alternativa. Não posso falar que seja uma página virada. O intuito da família é de que vire, mas ela nunca será virada totalmente. Foi o maior trauma que tive na minha vida. Sou uma pessoa metódica. Nem multa de carro tenho. Gosto das coisas certas. Imagine, de uma hora para outra, ser surpreendido por essa história de meu filho preso. Quem deu a notícia foi o próprio advogado. E eu fazendo 29 anos de casado. Casei-me com 21 anos, quando me formei em direito na UNB. Minha esposa se formou em jornalismo na Federal de Goiânia, aos 21 anos. Minha vida toda dediquei aos meus filhos. Fiz tudo para eles. Se teve alguma coisa que deu errado, tenho certeza de que não tive participação. Em todos os sentidos, tudo que um filho pode pensar em ter na vida ele teve.

E agora?

Z.: Agora é a única hora em que não posso abandoná-lo. Porque aí eu ficaria conivente com tudo que está acontecendo. E ele poderia jogar a culpa em mim. Ele não sofreu pouco, não. Mas falo para ele que ter sofrido foi bom. E um dia agradeci ao juiz pelo que aconteceu. Se o juiz não prende meu filho, ele não ia sarar nunca. A pessoa só muda quando passa por um aperto como esse. O jovem não acredita que vai acontecer com ele. E acontece.

Ele se recuperou do vício? Está fazendo tratamento?

Z.: Eu não posso dizer 100%, mas 99% eu tenho de certeza de que ele não voltou a usar drogas. Vou te dizer uma coisa: a pessoa que vai para uma cadeia por isso e volta a mexer com drogas é simplesmente irrecuperável. Porque aquilo lá... eu não sabia (e sou advogado) o que era um presídio. E um presídio no Rio de Janeiro é o pior do mundo.