Título: Bolívia faz recuo estratégico
Autor: Eliane Oliveira e Flávia Oliveira
Fonte: O Globo, 04/04/2006, Economia, p. 21

Advertido, Morales diz que não expropriará Petrobras e avisa querer sócios, não patrões

Após ser advertido por autoridades brasileiras de que seu governo estaria causando uma situação desconfortável a empresas do Brasil instaladas em seu país, o presidente da Bolívia, Evo Morales, assegurou que não pretende expropriar indústrias estrangeiras que exploram as reservas de gás, entre elas a Petrobras. Morales disse, no entanto, que não quer mais essas empresas ¿como patrões, e sim como sócios¿, deixando claro que não desistiu de manter seu estilo nacionalista no tratamento dado às multinacionais.

¿ Não vamos desapropriar ninguém. Vamos exercer o direito de propriedade de nossos recursos naturais. As empresas que respeitam nosso direitos serão respeitadas. Queremos sócios, e não patrões ¿ afirmou Morales. ¿ Uma coisa são os recursos naturais, outra são os bens das empresas. Não é possível que as empresas sejam saqueadoras de recursos naturais em detrimento dos interesses nacionais.

Ele citou o projeto do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que trata da criação da Petroamérica, ou Petrosul ¿ que seria a união das petrolíferas sul-americanas, que discutiram políticas energéticas comuns. De acordo com Morales, é possível fazer uma grande aliança.

Novas negociações dentro de dez dias

O presidente da Bolívia se reuniu ontem pela manhã com o assessor para Assuntos Internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, representantes do Itamaraty e o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli. Ficou decidido que as negociações entre os dois países sobre o mercado de gás, interrompidas em fevereiro, serão retomadas. Dentro de dez dias, uma missão do governo boliviano discutirá no Rio uma solução com técnicos da Petrobras e do Ministério de Minas e Energia. Também será enviada àquele país uma missão de técnicos brasileiros.

Morales foi avisado de que manifestações de funcionários bolivianos divulgadas pela imprensa nos últimos dias estão causando uma situação desconfortável a empresas brasileiras que estão instaladas na Bolívia. Segundo uma fonte que participou da conversa, o presidente boliviano também foi informado de que a Petrobras concorda em negociar preços e trocar ações de suas refinarias por gás, mas não admite perder o mercado naquele país.

US$1,5 bi já investido no país vizinho

¿ Tentaram criar um clima de inimizade com o Brasil, como se estivéssemos buscando um acordo com a Venezuela para prejudicar a Bolívia ¿ disse Marco Aurélio Garcia, referindo-se ao projeto dos presidentes Lula, o venezuelano Hugo Chávez e o argentino Néstor Kirchner, sobre a construção de um gasoduto que sairá da Venezuela e cortará toda a América do Sul. ¿ A Petrobras não tem qualquer problema com a nacionalização, até porque o gás e o petróleo brasileiros são de propriedade do Estado.

A estatal já investiu US$1,5 bilhão na Bolívia e é responsável por um terço da arrecadação de impostos pelos cofres públicos bolivianos. A avaliação do governo brasileiro é que os dois países perderão se não houver um entendimento. Mais da metade do gás natural consumido pelo Brasil vem da Bolívia.

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