Título: ESCALADA BANHADA EM SANGUE
Autor:
Fonte: O Globo, 04/04/2006, O Mundo, p. 27

Trajetória de Taylor reflete a trágica História da África Ocidental

FREETOWN. Na noite de Natal de 1989, uma pequena força de cem homens liderada por um obscuro ex-funcionário do governo da Libéria atravessou a fronteira da Costa do Marfim e entrou em seu país. Segundo uma lenda local, ao nascer em Monróvia, capital liberiana, um bebê falou em inglês a sua mãe que uma chuva de mortos cairia no dia de Natal e que não queria viver naquele mundo cruel, parando de respirar em seguida.

Em 25 de dezembro, sob forte chuva, a notícia de que Charles Taylor atacara a Libéria chegou a Monróvia. Como a criança previra, um chuva de mortos logo caiu sobre a África Ocidental. E durou 14 anos.

Entre a ascensão e a queda de Taylor, pode-se contar a História da África Ocidental, uma história de morte, distúrbios e tragédia. De muitas maneiras, ele era o homem perfeito para explorar o longo fim de uma era ¿ a lenta morte da política nacionalista do Grande Homem ¿ e o início de outra, em que senhores da guerra liderando insurgências pequenas e não-ideológicas criaram o caos em grande parte da região, enriquecendo e mandando o que sobrava para suas terras natais.

Só da Libéria, Taylor teria roubado US$100 milhões

Na verdade, o termo Grande Homem, um clichê nas reportagens africanas, parece pequeno para descrever Taylor. E chamá-lo de senhor da guerra parece algo distante de sua ambição. Foi a combinação desses dois papéis que se mostrou tão diabólica e mortal. Quando ele foi retirado do poder, em 2003, mais de 300 mil pessoas haviam morrido em conflitos insuflados por ele. Milhões de pessoas haviam sido deslocadas em meia dúzia de países da África Ocidental. Só da Libéria acredita-se que ele tenha roubado pelo menos US$100 milhões como presidente, entre 1997 e 2003.

¿ Taylor carregava um mapa com ele chamado Grande Libéria. Incluía partes da Guiné e campos de diamantes em Serra Leoa. Não era algo abstrato para ele. Ele tinha uma idéia clara do que tentava alcançar. Tinha um plano grandioso, e quase foi bem-sucedido ¿ diz Douglas Farah, analista que escreveu intensamente sobre as ligações de Taylor com redes criminosas e terroristas.

Nos anos 70, Taylor era um estudante ativista que protestava contra o regime corrupto de William Tolbert. Depois, estudou economia em Massachusetts. Voltou à Libéria em 1980, a tempo de ver um jovem sargento, Samuel Doe, derrubar o governo de Tolbert, matando o presidente. Taylor logo se aproximou de Doe e acabou assumindo o controle sobre as compras de armas do governo.

Depois de brigar com Doe, voltou para os EUA com US$1 milhão que teria roubado do governo. Foi preso e escapou em 1985, serrando as barras de sua cela. De volta à África, reuniu-se a dissidentes liberianos em Gana e assumiu a causa de revolucionários em Burkina Faso, Costa do Marfim e Líbia, onde treinou militarmente. Com dinheiro e armas da Líbia e apoio financeiro e político de Burkina Faso e Costa do Marfim, cruzou para a Libéria em 1989. Sem nunca ter sido soldado, deu início a uma impressionante escalada para dominar a região.