Título: FIOCRUZ DESENVOLVE OS PRIMEIROS MOSQUITOS TRANSGÊNICOS DO BRASIL
Autor: Ana Lucia Azevedo
Fonte: O Globo, 04/04/2006, O Mundo / Ciencia e Vida, p. 30

Inseto pode facilitar descoberta de estratégia eficiente contra a malária

Vivem num laboratório mineiro os primeiros mosquitos transgênicos do Brasil. Desenvolvidos no Centro de Pesquisa René Rachou (CPqRR), da Fiocruz em Minas Gerais, os mosquitos são vistos como uma arma em potencial contra a malária, uma das maiores assassinas da Humanidade. Os mosquitos transgênicos são imunes ao parasita da malária, o plasmódio. Graças à inserção de um gene das abelhas, o organismo do mosquito passa a impedir o ciclo de vida do plasmódio. Com isso, o inseto deixa de transmiti-lo e não propaga mais a doença.

Os mosquitos transgênicos brasileiros tão cedo não deixarão o laboratório. A meta inicial dos pesquisadores não é liberá-los no meio ambiente ¿ uma medida polêmica devido não só à resistência que o simples nome transgênico provoca em muita gente quanto pela falta de estudos sobre a segurança e a ecologia desse tipo de trabalho. O grupo de Luciano Andrade Moreira, criador do inseto, pretende usá-lo para estudar a relação entre o mosquito e o parasita causador da malária. Esse tipo de pesquisa pode levar a novas estratégias contra a doença, para a qual não há vacina ou remédios realmente eficientes.

A malária é um dos maiores problemas de saúde pública. Afeta mais de 90 países e 2,5 bilhões de pessoas (cerca de 40% da população do planeta) vivem em áreas de risco. Só na África há por ano 400 milhões de casos e um milhão de mortes. A cada dia, duas mil crianças africanas morrem de malária. No Brasil, a malária atinge principalmente a Amazônia. Em 2005 foram registrados 591 mil casos.

Os transgênicos brasileiros ainda não são o modelo contra a malária almejado. Nessa primeira etapa, o objetivo foi desenvolver capacidade para criar um inseto transgênico. Para isso foi escolhido o Aedes fluviatilis, transmissor da malária em galinhas. Ele transmite o Plasmodium gallinaceum, mas não os causadores da malária humana (P. falciparum e P. vivax).

¿ Começamos assim porque era mais simples e mais seguro. Não há risco para seres humanos. E nem para as galinhas porque os insetos estão confinados e não serão testados em campo ¿ explica Moreira, do Laboratório de Malária do CPqRR. O trabalho fez parte do doutorado de Flavia Guimarães Rodrigues, aluna de Moreira, e contou com a colaboração da Universidade Johns Hopkins, nos EUA.

O grupo mineiro já obteve três gerações de A. fluviatis transgênicos e espera em seis meses obter os primeiros Anopheles spp, transmissores da malária humana alterados.

¿ Em um ano poderemos alimentar os mosquitos com sangue de pessoas com malária e verificar se eles se tornaram incapazes de levar a infecção adiante. Não faremos testes em seres humanos ¿ diz Moreira.

O primeiro mosquito transgênico do mundo foi criado em 1998, nos EUA. Era um Aedes aegypti, transmissor do dengue. Depois, um grupo americano, ao qual Moreira era ligado, desenvolveu um transgênico capaz de evitar a malária em roedores.

¿ Mas nunca foram realizados testes na natureza. Vai demorar pelo menos dez anos até haver condições para fazer isso. Por enquanto, o objetivo é estudar melhor a malária ¿ afirma o cientista.