Título: Palocci é indiciado pela PF
Autor: Evandro Éboli/Jaílton de Carvalho/Henrique Gomes B
Fonte: O Globo, 05/04/2006, O País, p. 3

Ex-ministro tentou usar diversos órgãos do Estado contra caseiro e responde por violação de sigilo

O ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci foi indiciado ontem pela Polícia Federal pela violação do sigilo do caseiro Francenildo Santos Costa, que o acusou de freqüentar casa alugada por seus ex-assessores acusados de corrupção. Palocci só iria depor hoje, mas antecipou o depoimento para ontem, num esquema especial montado com a ajuda da Polícia Federal e que despistou a imprensa.

O Ministério Público Federal já tem indícios de que Palocci, enquanto ainda estava no governo, teria acionado diversas instâncias públicas para tentar descobrir eventual ligação do caseiro Francenildo Costa com a oposição. Disposto a investigar a vida bancária do caseiro, Palocci não só recorreu à Caixa Econômica Federal, mas teria acionado também a Receita, suspeitam os procuradores Gustavo Pessanha Veloso e Lídia Tinoco. Eles seguem ainda pistas de que até mesmo órgãos públicos fora de Brasília teriam sido acionados na operação contra o caseiro.

O Ministério Público Federal pediu que a Receita Federal informe imediatamente se, de fato, alguém acessou dados cadastrais de Francenildo nos arquivos sigilosos da instituição. Os procuradores trabalham com a tese de que, antes de recorrer à Caixa para se informar sobre a conta de Francenildo, Palocci teria acionado a Receita. Segundo a procuradora, a partir do cadastro da Receita aliados de Palocci poderiam descobrir nome do banco e a agência em que Francenildo tinha conta.

- Tivemos informações de que o SPC, o Serasa, a Segurança Pública no Piauí, vários órgãos foram mobilizados para levantar dados sobre o caseiro. Queremos conferir as informações - disse a procuradora.

Francenildo Costa é piauiense, e os depósitos em sua conta, feitos pelo suposto pai biológico, foram feitos em Teresina. O Piauí é governado pelo petista Wellington Dias.

Para identificar quais setores e autoridades do governo foram acionadas pelo ministro, o Ministério Público pediu à Justiça Federal a quebra do sigilo telefônico do secretário nacional de Direito Econômico, Daniel Goldberg, e do chefe de gabinete do Ministério da Justiça, Cláudio Alencar. Para o Ministério Público, que abriu investigação paralela à da PF sobre o caso, é importante saber se os dois conversaram com o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, nos dias 16 e 17 do mês passado, datas da emissão do extrato bancário do caseiro e do vazamento dos dados para a "Época".

MP: investigação paralela à da PF

Os procuradores querem saber se Goldberg e Alencar foram informados da emissão ilegal do extrato e, em caso afirmativo, se relataram o assunto a Thomaz Bastos. Em depoimento ao delegado Rodrigo Carneiro Gomes, da PF, no último domingo, Goldberg disse que se reuniu com Palocci na noite do dia 16 e no dia 17. Alencar participou do segundo encontro. Nas duas reuniões, Palocci falou da movimentação bancária do caseiro e pediu que a PF o investigasse por lavagem de dinheiro.

Segundo Goldberg e Alencar, em nenhum momento Palocci se referiu ao extrato do caseiro, que recebera, na noite do dia 16, das mãos do ex-presidente da Caixa Jorge Mattoso. Os dois procuradores não estão satisfeitos com as explicações dos dois auxiliares de Thomaz Bastos. O inquérito da PF foi aberto no dia 21, mas eles só tomaram a iniciativa de revelar os encontros com o ex-ministro uma semana depois, quando Palocci e Mattoso já estavam fora do governo.

- Precisamos saber, com segurança, se Palocci não falou do extrato e se esta informação não chegou ao ministro Thomaz Bastos - disse Pessanha.

Na noite do dia 16 e na manhã do dia 17, Thomaz Bastos estava em Rondônia. Segundo a assessoria do Ministério da Justiça, Alencar conversou com Thomaz Bastos por telefone na manhã do dia 16, mas só relatou a conversa com Palocci à noite, quando o jato em que estava o ministro fez escala técnica em Brasília antes de ir para São Paulo. Goldberg teria conversado pessoalmente com Thomaz Bastos no domingo, em São Paulo.

No dia 21, quando a PF instaurou inquérito para investigar a quebra do sigilo de Francenildo, Thomaz Bastos pediu que o Ministério Público acompanhasse a apuração. Mas o MP preferiu abrir investigação própria. A decisão desagradou aos policiais. O clima entre MP e a PF ficou ainda mais tenso depois que Pessanha e Lídia Tinoco pediram à Justiça o trancamento das investigações sobre a origem da movimentação bancária do caseiro. Francenildo, que tinha salário de R$700 por mês, recebeu depósitos no valor aproximado de R$25 mil no início do ano, antes de depor contra Palocci na CPI dos Bingos.

A Receita Federal já tem pronta uma nota de esclarecimento para, mais uma vez, informar que a instituição não participou da quebra do sigilo. A nota, de duas páginas, explica como se processa o acesso a dados fiscais das pessoas e empresas e exemplifica em quais caso isso configuraria quebra de sigilo. A irregularidade seria cometida, segundo a nota, quando funcionários sem permissão acessam dados do contribuinte, quando fiscais vasculham pessoas ou empresas de forma imotivada ou quando pessoas, mesmo que autorizadas a ter acesso às informações sigilosas, divulgam-nas a terceiros.

INCLUI QUADRO: A OFENSIVA DO EX-MINISTRO CONTRA O CASEIRO