Título: PT diz ter sido seduzido por Marcos Valério
Autor: Maria Lima
Fonte: O Globo, 05/04/2006, O País, p. 8

Petistas tentam tirar mensalão do relatório da CPI e também deixar de pedir indiciamento de Dirceu e Gushiken

BRASÍLIA. O PT foi seduzido pelo empresário Marcos Valério para participar do valerioduto e aderir à prática do caixa dois, afirma o substitutivo global apresentado ontem pelo PT como contraponto ao relatório do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR). Redigido pelo deputado Jorge Bittar (PT-RJ), o relatório petista substitui a expressão mensalão por esquema Marcos Valério e caixa dois, e sustenta que o esquema foi montado pelo empresário no governo do PSDB em Minas, em 1997, e repassado ao PT em 2003, quando o partido foi, então, seduzido pela proposta.

Para dizer como o PT entrou no esquema, o relatório petista detalha os empréstimos de Valério para o então governador tucano Eduardo Azeredo, que recebeu mais de R$9 milhões para sua campanha da reeleição em 1998: "(...) Havia o publicitário (Marcos Valério) seduzido o Partido dos Trabalhadores com um mecanismo para arrecadar fundos, cuja gênese - como comprovaram as investigações - se deu nas campanhas políticas desde 1997, mas se explicita com todas as suas características na campanha eleitoral de 1998 para o governo de Minas Gerais, na qual saiu derrotado o hoje senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG)", diz o texto.

O relatório petista diz que não se sustenta a afirmação de Serraglio sobre a existência do mensalão como compra de consciência de parlamentares para votar em favor de projetos do governo. Com base neste raciocínio, retira a proposta de indiciamento de parlamentares que receberam do valerioduto e propõe que o Ministério Público aprofunde as investigações. E tira da lista de indiciados os ex-ministros José Dirceu e Luiz Gushiken e o ex-presidente do PT José Genoino.

Lula teria mandado apurar

Sobre Lula, o PT manteve o texto de Serraglio de que ele foi avisado do mensalão por Roberto Jefferson e mandou apurar. O PT também propõe que o Ministério Público continue investigando Genoino, o ex-assessor do PP João Cláudio Genu, o ex-tesoureiro do PL Jacinto Lamas, o petista Vilmar Lacerda (DF), o ex-tesoureiro informal do PTB Emerson Palmieri, o ex-ministro Anderson Adauto e a publicitária Zilmar Fernandes, sócia de Duda Mendonça. São mantidos os pedidos de indiciamento de Duda Mendonça, Delúbio Soares e Sílvio Pereira, este último apenas por tráfico de influência.

O texto petista também retira do relatório todos os indiciamentos relativos a fraudes na Prece, o fundo de pensão da Cedae. O sub-relator de Fundos de Pensão, o deputado Antônio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA), acusou o ex-governador Anthony Garotinho de ter feito acordo com o PT para suprimir fatos relativos a Prece. Durante a CPI o deputado Carlos William (PMDB-MG), do grupo de Garotinho, defendeu o fundo de pensão. Ontem ele continuava circulando na CPI com advogados do fundo.

O documento do PT pede o indiciamento do dono do banco Opportunity, Daniel Dantas, pelos mesmos crimes de que acusa Marcos Valério: tráfico de influência, corrupção ativa e supressão de documentos.

Com a péssima repercussão do relatório paralelo do PT, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) e o presidente da CPI dos Correios, Delcídio Amaral (PT-MS), entraram em campo para tentar uma saída honrosa que prevê a retirada do documento petista para a votação final da CPI, marcada para as 16h de hoje. Uma comissão de sistematização, com representantes da oposição e governo, irá negociar com Serraglio o que, do texto do PT, será incluído em seu relatório.

Mas os pontos polêmicos relativos a mensalão, indiciamentos, Visanet e outros deverão ser votados como destaques, o que evitaria a votação do relatório global do PT. A oposição continua confiante na aprovação do relatório oficial por 16 votos a 14. O PT, que não admitia que estava recuando, fez questão de ler o substitutivo na reunião de ontem à noite na CPI, atrasando, assim, a discussão.

- Estamos investindo no consenso. Se conseguirmos chegar a um relatório só, que minimize o embate político, já é um avanço - disse o sub-relator de Contratos, José Eduardo Cardozo (PT-SP).

Delcídio também quer evitar a disputa entre os dois relatórios:

- Serraglio fez um relatório dentro da lógica, e pode passar por ajustes. Mas esse negócio de sair uns (indiciados) e botar outros, é precipitado.

ACM Neto considerou o documento apresentado pelo PT escandaloso.

- Quando viram a besteira que fizeram, nos chamaram para conversar. A intenção é convencer o PT a pôr o pé no chão. Esse relatório é suicídio.

Renan fez um apelo para que haja um entendimento e o trabalho da CPI seja salvo, mas Serraglio não parecia disposto a fazer acordo de mérito.

- Não vou fazer qualquer acordo para passar vergonha - disse.

A HERANÇA MALDITA

A se acreditar na versão do PT de que foi seduzido por Marcos Valério, esta seria a verdadeira "herança maldita" de que tanto falaram os petistas no começo do governo Lula para criticar a gestão anterior. Mas, no caso desta suposta "herança maldita", como alega a bancada do PT, o partido usou fartamente o dinheiro ilegal, distribuiu para aliados, comprou votos e financiou campanhas, como afirma a CPI.