Título: Fraude na delegacia
Autor: Cássia Almeida/Chico Otávio
Fonte: O Globo, 05/04/2006, Economia, p. 21

Prisão de 56 fiscais e agentes do Ministério do Trabalho desmonta esquema de corrupção na DRT do Rio

Do bolso do trabalhador direto para o luxo dos apartamentos na Sernambetiba (atual Avenida Lúcio Costa), na orla da Barra da Tijuca. Assim funcionou durante décadas um esquema de corrupção na Delegacia Regional do Trabalho do Rio (DRT-RJ), que começou a ser desmontado ontem pela Operação Paralelo 251, que reuniu o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e o Ministério do Trabalho. Foram presos 43 auditores fiscais, uma ex-fiscal já exonerada por corrupção, que recebiam salários entre R$7 mil e R$10 mil, e mais 12 agentes administrativos, que ganham entre mil e dois mil reais.

Eles foram denunciados por corrupção passiva, inserção de dados falsos no Sistema Federal de Inspeção do Trabalho, tráfico de influência e formação de quadrilha. Fraudes nas rescisões de contrato de trabalho e no recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) dilapidavam diretamente o bolso do trabalhador, além de livrar as empresas de multas por fraudes trabalhistas.

Esses 43 fiscais representam 23% do total de auditores do Estado do Rio. Mas considerando-se apenas os que atuam na capital (em torno de cem pessoas), o percentual sobe para quase 50%.

- É um propinoduto três. Só que com auditores do trabalho. Embora as investigações não tenham chegado ainda ao valor desviado, são cinco anos de atividades da quadrilha - disse o procurador da República José Augusto Vagos.

Rescisões sem o demitido por R$150

Os mais atuantes integrantes da quadrilha, segundo as investigações, são três fiscais da ativa: Dinézio Carlos Ornelas de Paiva, admitido, em 1995, Carlos Alberto Paúra (1984) e Mario Roberto de Souza Santiago, que entrou no concurso de 1985 na DRT do Rio e é suspeito de receber uma caixinha mensal de R$2 mil de empresas de ônibus do Rio para fazer vista grossa na fiscalização. O outro braço do esquema, de acordo com as investigações, está inativo: Fabiano Rossi das Neves, aposentado desde novembro de 2003, após 28 anos de trabalho.

Ainda entre os líderes do esquema de corrupção, segundo as investigações, está Jorge Xavier Aleixo, agente administrativo. A grande maioria dos envolvidos mora em Barra e Recreio, inclusive Mario Roberto de Souza Santiago e Carlos Alberto Paúra, em locais nobres como Avenida Sernambetiba e Canal de Marapendi. Em apartamentos que valem de R$300 mil a R$1 milhão. A operação foi batizada de Paralelo 251 em referência à ação dos fiscais à margem dos direitos do trabalho e ao endereço da DRT-RJ: Avenida Presidente Antonio Carlos 251.

A fraude nos pagamentos das demissões chegava a tal ponto que, em muitas rescisões, o próprio demitido nem comparecia na hora da homologação - uma exigência da lei. As homologações devem acontecer obrigatoriamente na DRT ou nos sindicatos, para verificar se os valores da rescisão estão corretos. Para conseguir registrar a demissão sem a presença do trabalhador, a propina subia para R$150. Quando a empresa queria apenas furar a longa fila da DRT para as homologações, o pagamento baixava para R$50.

O demitido, então, pegava o documento assinado para requerer seguro-desemprego, sem saber se o valor fixado pelo empregador estava correto e correndo o risco de ver recusado o seguro-desemprego. A Caixa Econômica Federal nega o benefício quando há qualquer suspeita de fraude. Uma das mais comuns é a homologação feita por um fiscal que não estava de plantão naquele mês. A negativa do benefício é automática.

- São cerca de cem empresas envolvidas com o esquema. Ainda estamos investigando. Mas sabemos que são dos setores de construção civil, transporte coletivo e hipermercados - disse o delegado da PF Marcelo Aires.

Diferentemente das outras redes de corrupção, a quadrilha não atacava apenas os cofres públicos. Ao fechar os olhos para as infrações, afetava diretamente o rendimento do trabalhador, ao não obrigar a empresa a pagar horas extras e depositar o FGTS (o Ministério Público do Trabalho está investigando 689 empresas por irregularidades no recolhimento do Fundo).

D., ex-funcionário da Koleta Ambiental, que entrou este ano na Justiça contra a empresa, está entre as centenas de trabalhadores lesados pela quadrilha. Ele cumpria jornada maior que a contratada, sofreu acidentes de trabalho e nada disso constou da soma da rescisão. A fiscal Marly Spínola do Amaral, presa ontem, registrou no livro de inspeção, que todas as empresas são obrigadas a ter, que o pagamento de FGTS da Koleta, de 2001 a 2005, estava regular. Mas não houve o lançamento da fiscalização no Sistema de Inspeção do Trabalho, segundo as investigações.

É como se a fiscal não tivesse ido à Koleta. Mas, quando um outro fiscal ia à firma de recolhimento de lixo hospitalar, verificava que naquele período a fiscalização já tinha sido feita. Portanto, limitava-se a requisitar os documentos a partir da data da visita da fiscal. Procurada, a Koleta ainda não se pronunciou sobre o assunto.

Ao se omitir na inspeção das condições de segurança, os fiscais - também responsáveis por verificar as condições de trabalho - expunham ainda o trabalhador a riscos. Um dos exemplos não só para o trabalhador como para a população está na acusação de conluio com algumas empresas de ônibus, descoberto pela PF. Ao colaborar com a caixinha dos fiscais suspeitos de corrupção, os empresários impediriam a autuação por impor jornadas excessivas aos motoristas, a infração mais comum nessa atividade econômica. Cansados, a chance de acidentes aumentava.

Até carimbo de fiscal era cedido

O foco maior da corrupção acontecia nas homologações. Desde a simples "cervejinha" para furar a fila da DRT, até a cessão do carimbo do fiscal para empresas fazerem as rescisões contratuais, quando o empregador é obrigado a pagar férias e décimo terceiro proporcionais, aviso prévio (um salário do trabalhador) e 50% de multa sobre o saldo do FGTS, mas só 40% vão para o demitido.

O recolhimento de FGTS era alvo de negociação fraudulenta. Em vez de requisitar os documentos que provariam o depósito correto ao Fundo, autuavam a empresa por negar a apresentação de documentos. Assim, evitava a fiscalização mais profunda e o levantamento do débito do FGTS. Uma economia e tanto para o empregador. O encargo representa 10% da folha de pagamento. E um prejuízo considerável para o trabalhador que terá de entrar na Justiça para tentar reaver o que lhe é de direito.

A MAIOR OPERAÇÃO DA POLÍCIA FEDERAL NO RIO, na página 22