Título: Menos uma barreira
Autor: Míriam Leitão
Fonte: O Globo, 05/04/2006, Economia, p. 22

Um poderoso senador americano da bancada ruralista está propondo, segundo a imprensa dos Estados Unidos, a eliminação da sobretaxa ao álcool brasileiro. Charles Grassley, que é também chefe do Comitê de Finanças do Senado, esteve no Brasil recentemente comandando uma comissão do Congresso. Num debate na Câmara Americana de Comércio, ouviu a sugestão de fazer um gesto para aproximar mais os dois países na área agrícola. Agora o tema está em debate por lá.

Se a sobretaxa, que existe há 20 anos, for eliminada, o Brasil terá o caminho aberto para ocupar espaços no mercado americano de álcool. A notícia de que se está propondo a eliminação da sobretaxa de US$0,51 por galão foi publicada no "Washington Post". O "Wall Street Journal" publicou nota confirmando que o tema está em debate. Segundo o "WSJ", autoridades americanas disseram ao Congresso que a eliminação da tarifa pode ser adotada para aliviar a falta de abastecimento de gasolina no verão, num momento em que se está reduzindo o consumo de MTBE, um aditivo que é misturado à gasolina. Segundo a agência de energia americana, alguns estados, como Nova Inglaterra e Texas, podem ter problemas de abastecimento porque não existe etanol suficiente para substituir todo o MTBE, que está sendo eliminado pelas indústrias por temor dos processos judiciais contra o uso deste combustível, considerado cancerígeno.

Num debate na Câmara Americana de Comércio no Brasil, o senador americano ouviu do empresário Joseph Tutundjian que há muito mais afinidade entre Brasil e Estados Unidos, dois grandes e eficientes produtores, do que com a Europa, que é muito mais protecionista que os EUA. A sugestão de Tutundjian foi que os Estados Unidos deveriam fazer um gesto positivo que acentuasse a agenda convergente entre os dois países na OMC. Quando o senador perguntou qual gesto, ouviu a sugestão de eliminação dessa barreira, até porque os dois países juntos têm 70% da oferta mundial de álcool e são os únicos com estrutura de utilização do álcool como combustível. É exatamente o Comitê de Finanças do Senado americano que tem a prerrogativa de propor esta redução da barreira comercial.

A eliminação da sobretaxa abriria ainda mais as possibilidades do álcool brasileiro no exterior, aumentando as chances das nossas exportações, que continuam surpreendendo. Os dados de março, com um superávit comercial de US$3,6 bilhões, impressionaram até especialistas. Olhando por dentro, vê-se que houve um aumento de importação de 24,4%; maior que o de 17,5% da exportação, mas a diferença é até pequena perto da forte valorização do câmbio que se acentuou nos últimos meses.

O Brasil teve um aumento de 100% na exportação em quatro anos. Exportava US$58 bilhões em 2001 e, em 2005, foram US$118 bilhões. Continua crescendo e este ano, ainda que o saldo seja menor, as vendas serão maiores que no ano passado.

O saldo dos últimos 12 meses atingiu US$45,8 bilhões. Em abril, os dados podem ser mais fracos, porque há menos dias úteis, mas a desaceleração no saldo só está prevista para o segundo semestre.

Numa entrevista recente à revista da Funcex, o ex-ministro Delfim Netto atribuiu 2/3 do aumento do superávit comercial dos últimos anos a fatores externos: crescimento da demanda e aumento dos preços internacionais dos produtos exportados pelo Brasil. Seja qual for o percentual, é certo que o excelente momento da economia mundial abriu as portas para as exportações brasileiras; as mudanças acontecidas no país permitiram que ele pudesse ocupar esse espaço.

As boas notícias externas não vão durar para sempre, mas ainda há novidades animadoras. O FMI revisou para cima a previsão de crescimento global em 2006. Agora acha que o mundo vai crescer 4,9%. Para 2007, a previsão é de um pouquinho menos, 4,7%.

Assim tudo fica mais fácil. O Brasil tem sido puxado pelas exportações. Foram elas que permitiram o crescimento desde o segundo semestre de 2003. Perto do crescimento mundial, os números brasileiros são medíocres. De qualquer maneira, o comércio exterior é que tem sustentado o desempenho positivo. Por isso há tanta preocupação com a valorização excessiva do dólar, que pode acabar a longo prazo afetando as exportações do país.

Ontem o IBGE divulgou um número positivo, acima do esperado, para a produção industrial. As previsões de inflação para o ano estão exatamente em cima da meta de 4,5%. Todas as indicações e números divulgados nos últimos dias mostram que a tendência da inflação é de queda. O cenário econômico continua extraordinariamente bom para um ano eleitoral com tanta turbulência, como temos assistido há meses no Brasil.

O único fator que poderia criar algum abalo foi absorvido com uma espantosa rapidez: a queda do ex-ministro Antonio Palocci. Na sua primeira entrevista exclusiva, concedida ao jornal inglês "Financial Times", Guido Mantega não se parecia em nada com ele mesmo quando não era o ministro. Disse que fez parte da formulação da atual política e se coloca entre os que decidiram coisas como elevação do superávit primário e até a política monetária, que é, segundo ele, o fator determinante da queda da inflação. "A política monetária tem sido muito bem sucedida", diz o irreconhecível Mantega que era, até duas semanas, um crítico do nível da taxa de juros. Ele repetiu que, no ano passado, o Banco Central teve um excesso de zelo conservador, mas justifica: "Banco central tem que ser conservador. É a função dele." Rejeitou também a idéia de o BC ter meta de crescimento além de meta de inflação.

A economia continua indo muito bem atenuando os rigores da tempestade política.