Título: Descobrir trabalhadores lesados é a nova meta
Autor: Cássia Almeida/Chico Otávio
Fonte: O Globo, 05/04/2006, Economia, p. 23

Investigação vai cruzar dados de relatórios para saber quem deixou de depositar FGTS e os prejudicados com fraude

Com a prisão dos acusados de integrar a máfia de fiscais do Trabalho, o próximo desafio das investigações é nominar a imensa lista de trabalhadores lesados pelo esquema. Um dos caminhos possíveis será o cruzamento dos relatórios de inspeção dos fiscais presos ontem, arquivados no Sistema Federal de Informações Tributárias (SFIT), com a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), que controla os registros do FGTS. A providência mostrará empresas e valores que deixaram de ser depositados, de 2001 a 2005, por omissão dos auditores.

A Polícia Federal (PF) e a Procuradoria da República no Rio de Janeiro, responsáveis pelas investigações, ainda não discutiram como o trabalho será feito. Para cobrar das empresas favorecidas pela quadrilha o depósito do FGTS devido aos trabalhadores, eles esperam contar com a colaboração do Ministério Público do Trabalho e a Procuradoria da Fazenda Nacional.

Ministro: punições de servidores e novo concurso

Outro caminho é fiscalizar novamente todas as empresas que, nos últimos cinco anos, foram visitadas pelos supostos integrantes da máfia da Delegacia Regional do Trabalho no Rio. O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, que acompanhou ontem a operação na sede da PF fluminense, disse que a decisão sobre isso já foi tomada.

- A DRT receberá um reforço. Vamos formar uma força-tarefa para rever todos os processos de inspeção e as homologações suspeitas, para restituir o direito do trabalhador - disse.

Marinho lembrou que será aberto concurso para a carreira, uma vez que a operação atingiu 23% da equipe de fiscais do estado. O ministro disse que o órgão vai abrir processos administrativos, que poderão resultar em punições que chegam à demissão de servidores que comprovadamente estiverem envolvidos em fraudes.

As investigações já comprovaram o envolvimento de 205 empresas com a máfia dos fiscais do Trabalho só em fraudes ligadas ao FGTS. O número vai aumentar com a análise do material apreendido ontem em 103 endereços de pessoas e empresas envolvidas com o grupo, bem como o depoimento de fiscais e empresários, advogados e funcionários de firmas favorecidas pelo esquema fraudulento.

As investigações mostraram que, em cinco anos, cada um dos 41 fiscais envolvidos diretamente em fraudes de FGTS favoreceu cinco empresas. Assim, o total é de 205 beneficiadas com a inserção de dados falsos no sistema de informações. Os auditores simulavam fiscalizações e declaravam que as firmas estavam em dia com o Fundo.

- Essas empresas, que contaram com a vista grossa dos fiscais, terão de depositar o que devem a seus empregados - disse o procurador da República Carlos Aguiar.

As fraudes contra o FGTS são mais fáceis de comprovar do que as demais, porque os fiscais eram obrigados a lançar os seus relatórios de inspeção no sistema. Eles atuavam com liberdade, escolhendo as empresas a serem fiscalizadas e os prazos. Já os demais tipos de fraude - sonegação de direitos em rescisões de trabalho, por exemplo - exigirão um esforço maior para sua comprovação.

A prioridade do Ministério Público, nos próximos dias, é a situação dos fiscais e agentes administrativos presos. O prazo previsto para a prisão temporária é de cinco dias, prorrogável por igual período. Antes disso, o Ministério Público Federal espera denunciar os envolvidos, razão pela qual fará uma análise preliminar do material apreendido pela Polícia Federal.

Embora a prisão temporária tenha atingido 56 servidores do Ministério do Trabalho, a lista de denunciados poderá incluir empresários acusados de corrupção ativa.

MP acredita na existência de caixa dois para políticos

Outra meta futura é desmascarar o braço político da quadrilha. Os investigadores estão convencidos de que, sem ele, o esquema não se sustentaria. Desde o escândalo do mensalão, no ano passado, o braço político teria perdido o controle sobre o grupo. As escutas telefônicas revelaram ainda que, em conversa com ele, uma mulher diz que ouvira um ex-deputado fazer um elogio público a Fabiano Rossi, fiscal aposentado preso ontem.

- Há indícios de associação criminosa, agora um tanto desorganizada, mas que em algum momento para trás chegou a levantar uma caixinha para financiar até mesmo campanha política. Mas são apenas indícios. Portanto, não podemos afirmar nada agora - disse Carlos Aguiar.

A fala do procurador, logo depois de o ministro Luiz Marinho dizer que nada de concreto ligava o esquema de corrupção a campanhas políticas, criou um certo constrangimento na entrevista coletiva na Polícia Federal.

PATRIMÔNIO DE FISCAIS INCLUI PRÉDIOS, na página 24

"Essas empresas, que contaram com a vista grossa dos fiscais, terão de depositar o que devem a seus empregados"

CARLOS AGUIAR

Procurador da República

Quadrilha criou sindicato para fraudar

Filial de entidade era de fachada

O balcão de negócios montado pela quadrilha que agia na Delegacia Regional do Trabalho (DRT), no Rio, contava até com a "filial" de um sindicato para fraudar rescisões de contrato, lesando os trabalhadores. Este foi um dos mais surpreendentes resultados das investigações iniciadas em 2003, a partir de um relatório interno sobre o processo de corrupção dentro da DRT.

Gravações de conversas dos suspeitos, autorizadas pela Justiça Federal, revelaram que os agentes administrativos Jorge Xavier Pereira Aleixo e Antônio Carlos da Rosa uniram-se a um diretor de um sindicato de trabalhadores de Magé e montaram uma "filial" dessa entidade em Bonsucesso, no Rio, para usá-la como fachada para suas fraudes.

Como as investigações continuam - as denúncias contra os envolvidos devem ser feitas em 15 dias - a Polícia ainda não levantou o nome do dirigente sindical envolvido. No ano passado, contudo, um dos agentes, Antônio Carlos da Rosa, foi punido com cinco dias de suspensão por fazer homologações, no seu horário de plantão, para o Sindicato dos Trabalhadores Químicos de Magé.

Os investigadores apuraram que as rescisões trabalhistas na filial da entidade (Avenida dos Democráticos 1959, salas 705 e 706) eram ilegais, porque eram abertas a todos, não só aos trabalhadores da categoria e da base de Magé. No endereço, os porteiros limitaram-se a informar que as salas foram fechadas há duas semanas. (Chico Otavio e Cássia Almeida)