Título: `Congresso vive frouxidão moral¿
Autor: Evandro Éboli
Fonte: O Globo, 07/04/2006, O País, p. 3

Cinco integrantes do Conselho de Ética renunciam em protesto contra absolvição de João Paulo

Revoltados com a absolvição do ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) em mais uma decisão contrária à recomendação do Conselho de Ética, integrantes do colegiado ensaiaram ontem uma debandada geral do órgão. Nove deles chegaram a anunciar a renúncia, mas parte voltou atrás. No fim do dia, cinco parlamentares confirmaram seu desligamento. João Paulo, apesar de ter mentido sobre a ida de sua mulher ao Banco Rural e de ter recebido R$50 mil do valerioduto, foi absolvido na noite de anteontem por 256 a 209 votos. A absolvição levou o Conselho a pressionar fortemente a Mesa da Câmara para acabar com o voto secreto.

Alguns dos revoltados com a decisão do plenário de absolver João Paulo foram convencidos pelo presidente do Conselho, Ricardo Izar (PTB-SP), a não deixar o órgão até que sejam julgados os dois últimos processos, que envolvem os mensaleiros Vadão Gomes (PL-SP) e José Janene (PP-PR). Mantiveram a decisão de se afastar logo do Conselho os deputados Cesar Schirmer (PMDB-SP), Carlos Sampaio (PSDB-SP), Orlando Fantazzini (PSOL-SP), Chico Alencar (PSOL-RJ) e Júlio Delgado (PSB-MG).

Cezar Schirmer, que relatou o processo de João Paulo, disse que o Conselho está impotente diante das seguidas rejeições de seus pareceres pela cassação no plenário.

¿ O Congresso vive uma tremenda frouxidão moral. Depois de absolver João Paulo, cujas provas de seu envolvimento são incontestáveis, como vamos votar contra o José Mentor? ¿ disse Schirmer. ¿ A absolvição de João Paulo Cunha significa que pegar dinheiro de empresa não é ilícito, não é indecoroso. Significa também que mentir reiteradamente não é indecoroso.

¿ O plenário da Câmara não está à altura do sentimento do povo ¿ protestou Izar. ¿ O Conselho de Ética está fazendo um trabalho digno, honrado e transparente.

Chico Alencar disse que não há mais clima para aprovar no plenário qualquer processo de cassação e que o Conselho de Ética virou uma mera peça decorativa.

¿ A crise está instalada. O plenário nos desautoriza a todo momento. Nosso papel está esgotado ¿ disse Alencar.

Os revoltados chegaram a entregar um ofício a Izar comunicando a saída do grupo. Um trecho dizia que o Conselho tornou ¿mais decorativo do que de decoro e tem muito mais função estética do que de aconselhamento ético da Câmara dos Deputados¿.

¿Como assim? Nem falaram comigo antes¿

Quando chegou à Câmara, Ricardo Izar encontrou o grupo colhendo assinaturas na entrada da Casa. Ao saber que eles estavam ensaiando deixar em massa o Conselho, ele revoltou-se:

¿ Como assim? Mas nem falaram comigo antes. Não, isso não.

Na reunião a portas fechadas, o argumento que convenceu parte do grupo a recuar foi da deputada Ann Pontes (PMDB-PA). Ela disse que a ausência do grupo enfraqueceria ainda mais o Conselho e desprestigiaria o presidente. Edmar Moreira (PFL-MG), que também tentava convencer os colegas a ficar, afirmou que a saída deles seria uma desconsideração aos relatores dos processos que ainda não foram julgados.

Ricardo Izar criticou os integrantes que saíram. Ele considerou uma precipitação e chegou a dizer que, ¿se é para haver renúncia, tem que ser de todos¿.

¿ E é o presidente do Conselho quem tem que comandar essa renúncia ¿ disse Izar.

Quatro deputados desistiram da renúncia e decidiram ficar no Conselho: Marcelo Ortiz (PV-SP), Nelson Trad (PMDB-MT), Cláudio Magrão (PPS-SP) e Benedito de Lira (PP-AL). Os integrantes do Conselho que são da base aliada criticaram o comportamento dos rebeldes. José Carlos Araújo (PL-BA) afirmou:

¿ Quando fomos indicados para o Conselho, sabíamos a regra do jogo, que se pode ganhar ou perder no plenário.

O líder do PL na Câmara, Luciano Castro (RR), também condenou e disse que os revoltosos queriam é aparecer:

¿ Essa é uma renúncia promocional.

Orlando Fantazzini, do PSOL, afirmou que no plenário os deputados estão ¿escudados pela voto secreto¿. Com a renúncia dos dois deputados do PSOL, as vagas serão ocupadas por dois parlamentares do PT. Com a saída de Delgado, do PSB, é o PPS, dono original da vaga, que indicará o seu substituto. Schirmer é suplente na cota do PMDB.

João Paulo Cunha não comentou ontem a reação dos conselheiros à sua absolvição. Sua assessoria afirmou que ele permaneceu em sua casa, em Brasília, e não falaria com jornalistas.

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