Título: RETROCESSO POLÍTICO
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 07/04/2006, O País, p. 4

Mais um ¿mensaleiro¿, e desta vez dos grandes, se não na quantia, no peso político, foi absolvido pelo plenário da Câmara num misto de compadrio e irresponsabilidade que, mais cedo ou mais tarde, se voltará contra a imagem dos políticos, enfraquecendo um dos Poderes da República e a democracia brasileira. O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, que recolheu, tendo como intermediária a própria mulher, R$50 mil pagos pelo lobista Marcos Valério, se declarou uma pessoa ¿do bem¿ e encorajou seus pares a não temerem a opinião pública, a exemplo do que já fizera, com êxito, o deputado pefelista Roberto Brant.

A tese de que os meios de comunicação não refletem necessariamente a opinião média do eleitorado, mas apenas o pensamento das elites brasileiras, transforma os deputados em parceiros do nivelamento por baixo de nossa política, e tem o respaldo no comportamento do próprio presidente Lula, que se orgulha de ter um canal direto com o povo que dispensa a intermediação das elites, políticas ou intelectuais.

Esse desprezo por intermediações e pela elite do país está espelhado no texto que o ministro Tarso Genro distribuiu a militantes petistas, no qual destaca como um dos feitos do governo, e que seria alvo dos conservadores, a ¿plebeização do processo democrático no país¿.

Como se a defesa da democracia dependesse de uma permanente luta de classes, uma disputa entre elite e povo, na qual a elite está sempre do lado errado e este governo sempre do lado certo, o do povo. Um discurso diversionista para um dos governos mais conservadores em termos econômicos e sociais que o país já teve, e isso num momento da economia mundial que permitiria um salto à frente no caminho do desenvolvimento.

Nunca as elites financeiras ganharam tanto dinheiro com os juros. E os programas sociais de cunho assistencialista permitem que o governo garanta sua popularidade nos setores mais pobres e mais excluídos da sociedade brasileira, e permitem também que esses ¿mensaleiros¿ se apeguem à esperança de que o grosso do eleitorado não será atingido pelo clamor de seriedade que os meios de comunicação, de maneira geral, ecoam.

A chamada ¿opinião pública¿ surgiu no fim do século XVIII, como maneira de as elites se contraporem à força do Estado absolutista, e a imprensa teve papel fundamental na sua consolidação. Não é à toa, portanto, que o surgimento da ¿opinião pública¿ está ligado ao surgimento do Estado moderno, e a negação da opinião pública, como virou moda no Parlamento e no governo brasileiros, representa a tentativa de retroceder na história, de fazer prevalecer o atraso nas relações do Congresso com os eleitores. Não é à toa também que esta está sendo considerada a pior de todas as legislaturas.

O deputado João Paulo Cunha, na sua análise histórica sobre o papel da imprensa no país, quer também retornar no tempo, quando os jornais, no Brasil e no mundo, existiam para defender interesses dos grupos políticos ou familiares aos quais pertenciam. O que o PT sempre criticou e atacou, o uso dos meios de comunicação em apoio a um determinado grupo político, João Paulo apontou como uma prática que deveria ser retomada, contra a profissionalização, tendência dominante.

Segundo a historiadora Isabel Lustosa, em seu livro ¿Insultos impressos¿, os jornais surgidos no Brasil no período de intenso debate político que antecedeu a Independência, em 1822, nasciam impulsionados pelo propósito de preparar o povo para o regime liberal que se inaugurava. Para Hipólito da Costa, o primeiro jornalista brasileiro, fundador do primeiro jornal brasileiro, o ¿Correio Braziliense¿, impresso em Londres em 1808, a instrução seria a chave de uma conduta racional e asseguraria o bom funcionamento dos governos.

Todos os jornais se outorgavam a tarefa de educar o povo. Mas o clima tenso e apaixonado que caracterizava a vida política se transferiu rapidamente para o texto, em que cada jornal defendia seu ponto de vista político, a favor ou contra a Independência. No mundo inteiro os jornais começaram assim, panfletários, e os brasileiros não foram exceção à regra, e só muito recentemente, mais acentuadamente no eixo Rio- São Paulo, começaram a se profissionalizar e a dar mais atenção a questões éticas na informação.

A maior influência hoje na imprensa brasileira é a da cultura anglo-saxônica, e atribui-se a essa influência, especialmente da imprensa dos Estados Unidos, distorções da ética jornalística, especialmente a glamurização da notícia, a busca do espetáculo para atrair os leitores. O jornalista Alberto Dines, fazendo uma análise sobre essa influência, lembra os aspectos positivos dela desde que o poeta, político e publicista inglês John Milton publicou Areopagítica (1644), primeiro documento explícito em favor da liberdade de expressão na história da cultura universal, que Hipólito da Costa traduziu numa das primeiras edições do ¿Correio Braziliense¿.

Hoje, é dos Estados Unidos que vêm as grandes inovações tecnológicas que fundem as mídias e inauguram uma nova era da comunicação, com base na internet. Mudou a relação dos donos dos jornais com seus próprios jornais.

Hoje os jornais são empresas e precisam estar mais perto do público leitor do que dos governantes para serem bem-sucedidos. Para tanto, publicam textos ou depoimentos com posições antagônicas, privilegiam o pluralismo de opiniões entre seus colunistas e colaboradores, dando mais opções de informação aos leitores.

E demarcam mais claramente a sua opinião, tratando que ela não influencie o noticiário, que deve ser o mais imparcial e abrangente possível. Os jornais deixaram de ser partidários, sectários, e isso é sinal de amadurecimento, político e empresarial.