Título: INÉRCIA INACEITÁVEL
Autor:
Fonte: O Globo, 07/04/2006, Opinião, p. 6

Em 2003 a CPI da Exploração Sexual Infantil revelou que o problema alcançava dimensões e gravidade muito acima do que se poderia imaginar. Meninas de 11 e 12 anos vendendo o corpo por R$1,99 eram apenas um exemplo do que acontecia ¿ e lamentavelmente continua acontecendo, sob o patrocínio de pelo menos 17 redes de exploração sexual de crianças e adolescentes. Apesar das denúncias dirigidas na época à Polícia Federal, o fato é que a atividade persiste hoje em cidades por todo o país, como revelou recentemente uma série de reportagens do GLOBO.

A prostituição de menores costuma ter ligações com o turismo sexual, que o governo comprometeu-se a combater vigorosamente há mais de um ano, visando especificamente à exploração sexual de crianças e adolescentes. Até hoje, no entanto, não se vê sinal da anunciada campanha.

A inação tem uma explicação simples. Como diz com desencanto mais do que justificado a senadora Patrícia Saboya Gomes (PSB-CE), que presidiu a CPI, o tema simplesmente não é prioridade entre as autoridades, por maior que seja a indignação, ou a retórica de indignação, que sempre provoque.

E isso se faz sentir em todos os níveis de governo ¿ federal, estadual e municipal. Na realidade, no plano local há até resistência; em parte por cumplicidade lucrativa, em parte porque há receio da perda de receita que supostamente decorreria da fuga dos turistas.

Mas o problema maior é realmente a indiferença com que a questão é encarada no plano federal. A comprovação mais recente dessa atitude está no motivo do cancelamento da audiência pública convocada para quarta-feira pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado, Cristovam Buarque (PT-DF): nenhum dos cinco ministros convidados compareceu e, dos 32 membros da comissão, apenas três se dignaram a ir ¿ e logo foram embora.

Por mais difícil e complexo que seja o combate à prostituição infantil, problema que tem múltiplas raízes, é preciso dar começo a essa tarefa. Mas, por enquanto, a única reação perceptível tem sido inércia.