Título: A CPI QUE ACABOU EM SAMBA. E EM ROCK, FUNK, MPB...
Autor: Maria Lima
Fonte: O Globo, 07/04/2006, O País, p. 8

Festa pela aprovação do relatório teve cantoria de oposicionistas e entrou pela madrugada em bares de Brasília

BRASÍLIA. A gritaria que dominou a última sessão da CPI dos Correios, anteontem, deu lugar na madrugada a uma cantoria, acompanhada de uma desafinada batucada dos integrantes da comissão que conseguiram aprovar o relatório do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR). Os xingamentos ouvidos pelo presidente da CPI, senador Delcídio Amaral (PT-MS), foram substituídos por declarações de amor. Até um sambinha sobre o desconforto de Delcídio e o seu PT foi improvisado na mesa do bar.

Animados com a vitória que até a semana passada era considerada improvável, os pefelistas Antônio Carlos Magalhães Neto (BA), Onyx Lorenzoni (RS) e o tucano Eduardo Paes (RJ) improvisaram uma paródia do samba ¿Trem das Onze¿, de autoria de Adoniram Barbosa, para brincar com os dissabores que Delcídio passou com os petistas durante a votação.

¿ Não posso ficar nem mais um minuto no PT/ Sinto muito, eleitor, mas não pode ser ¿ cantarolavam os três, enquanto batiam na mesa e riam, acompanhados pelos assessores da CPI.

Delcídio, Serraglio, os pefelistas, o tucano e o peemedebista Asdrúbal Bentes (PA), em seu indefectível terno de linho branco, comemoraram, com tulipas de chope nas mãos, a aprovação do relatório.

O único que não foi direto do Congresso para o bar foi o baiano ACM Neto. Passou em casa, trocou o terno e a gravata por uma camiseta listrada e jeans. Estava pronto para a maratona que começou por um bar na Asa Sul e terminou depois das três da manhã em outro, num shopping à beira do Lago Paranoá.

Numa ponta da mesa, Serraglio tentava acompanhar sem muito entusiasmo a farra dos colegas, embora fosse só sorrisos. Ao seu lado, Asdrúbal ¿ que foi alçado à condição de herói da oposição por ter dado um dos votos decisivos ¿ batucava com um pouco mais de aptidão.

¿ Ninguém imaginava que fosse votar a favor do relatório. Todo mundo dizia que o Jader (deputado Jader Barbalho) mandaria eu votar com o governo.

Já Delcídio, sério, não se conformava com a atitude dos petistas.

¿ Esses caras estão loucos! Eles iam indiciar o Lula ¿ lamentava o senador, acreditando que na votação dos destaques isso acabaria acontecendo.

Sem esconder sua irritação com o deputado Jorge Bittar (PT-RJ), que o xingou com palavrões ao fim da sessão da CPI, Delcídio desabafava:

¿ Espera amanhã (hoje). Vamos pôr o Conselho de Ética em cima dele.

O mais animado era ACM Neto, que enaltecia os trabalhos da CPI:

¿ Um brinde à maior CPI da História do Brasil.

Paes, Onyx e Neto estavam incansáveis e emendaram a cantoria com ¿É hoje¿, o samba-enredo de 1982 da União da Ilha, de autoria de Didi e Mestrinho, que refletia o estado de espírito deles depois de meses de trabalho, luta política:

¿ Diga espelho meu/ Se há na avenida, alguém mais feliz que euuuu.

Vítimas da ¿fúria denuncista¿ dos petistas no passado, tucanos e pefelistas diziam que o que o PT sofre agora ainda é pouco. Foi nesse espírito que o carioca Eduardo Paes cantarolava os versos do funk da MC Beth:

¿ Dói, um tapinha não dói. Um tapinha... Não dói. Só um tapinha!

Entre uma crítica e uma ironia ao relatório paralelo dos petistas, principalmente pela troca da expressão ¿mensalão¿ pelo termo ¿financiamento político ilegal¿, Paes e Onyx foram de mais um samba, ¿Saco de dinheiro¿, de Francisco Santana, mais conhecida pela versão gravada por Beth Carvalho:

¿ Meu Deus mas para que tanto dinheiro? Dinheiro só prá gastar... Que saudades tenho do tempo de outrora... Que vida que levo agora?

Eles entoaram ainda Sampa, de Caetano Veloso. E, em número solo, Paes cantou ¿Sunday, bloody, Sunday¿, do U2, para Delcídio. A noite teve até seu momento solene quando parlamentares e assessores cantaram o Hino da Bandeira. A madrugada já ia alta, quando, cansados, os assessores de Delcídio o incentivavam a ir embora:

¿ Vamos, chefe, vamos, o senhor precisa descansar... ¿ insistia um dos auxiliares do senador.

Serraglio, que foi embora com o petista, surpreendeu-se quando viu que já passavam das duas horas da manhã:

¿ Meu Deus, preciso ir para casa! (Bernardo de la Peña e Ilimar Franco)