Título: Novas eleições
Autor: Míriam Leitão
Fonte: O Globo, 07/04/2006, Economia, p. 26

O México, assim como o Brasil, enfrentará eleições presidenciais este ano. Assim como o Brasil, está com inflação baixa e com crescimento também baixo. E, assim como o Brasil, tem hoje instituições mais sólidas que no passado. O Nafta, comenta a embaixadora Cecilia Soto, é visto agora como um fait accompli, ou seja, fato consumado e, como para o caso da política econômica, não é mais motivo de discussão para nenhum candidato.

A melhor notícia que vem da eleição mexicana, segundo a embaixadora, que ontem se despedia do Brasil numa palestra no Cebri, é que o PRI, partido da velha oligarquia do México, está perdendo cada vez mais sua hegemonia, tem pouquíssimas chances de vencer a corrida presidencial. Na frente, estão o ex-prefeito da Cidade do México, Andrés Manuel López Obrador e o candidato do partido do presidente Vicente Fox, Felipe Calderón. Roberto Madrazo, representante do PRI, aparece em terceiro em todas as pesquisas. Nos últimos dias, havia pesquisas até que traziam Calderón em primeiro lugar.

A história do PRI é antiga e antiquada. O partido governou o México por 71 anos, nos quais dominava o Executivo, o Legislativo, parte do Judiciário e ainda restringia a importação de papel, para ter a imprensa controlada.

¿ Estado e governo se confundiam no PRI ¿ diz Cecilia Soto.

Ela lembra que houve controle até a última eleição, em 2000 (lá o mandato é de 6 anos), quando, das 24 pesquisas, as cinco que indicavam a vitória de Fox não foram divulgadas. O processo eleitoral mexicano estava tão apodrecido que várias providências tiveram que ser tomadas. Como o PRI dominava toda a máquina, foi criado um quarto poder, responsável apenas pelo sistema eleitoral. O financiamento de campanha é público; só 10% podem vir de financiadores privados. Porém, mesmo com gastos criticadíssimos de US$1 bilhão com as eleições, ainda ocorrem muitos casos de caixa dois. De qualquer forma, a embaixadora acredita que o financiamento diminui a fraude; além disso, a idéia é que ele vá sendo reduzido com o tempo e a estabilização da democracia no país.

López Obrador lidera as pesquisas há dois anos e domina muito bem o jogo político. Duas de suas decisões acabaram ajudando bastante na tarefa de conquista dos mexicanos. A mais conhecida delas: pôs em prática uma proposta semelhante a que tem sido defendida pelo senador Suplicy no Brasil, a renda básica da cidadania. Qualquer habitante da Cidade do México com mais de 70 anos ganha US$70. A política é controversa. Se fosse em São Paulo, ela contemplaria, por exemplo, Antonio Ermírio de Moraes.

Outra de suas decisões: desde o primeiro dia de governo, dá coletivas de imprensa às 6 da manhã, ou seja, o que pareceu de início uma excentricidade, mostrou-se uma excelente estratégia política; pois, como se diz em jargão jornalístico, ele acaba ¿pautando¿ o noticiário do dia.

Mas uma coisa não se encaixa na corrida eleitoral mexicana: a aprovação do presidente Fox é ainda bastante alta, de 63%. Nos últimos tempos, a popularidade do presidente tem crescido entre os mais pobres, sobretudo depois da construção de 800 mil moradias e de um programa de modernização das escolas. Ainda assim, seu candidato não lidera as pesquisas. Para Cecilia Soto, a explicação mais forte está no carisma de Vicente Fox, não existente em Calderón.

O mercado, de um modo geral, teme que López Obrador chegue à Presidência. O medo é de que, no poder, ele acabe adotando medidas parecidas com as de Hugo Chávez, na Venezuela, ou de Evo Morales, na Bolívia. São realidades bem diferentes. Na visão da embaixadora, há pouca diferença quanto à política econômica proposta pelos três candidatos. López Obrador, considerado de esquerda, teve um secretário de Fazenda moderado e difere de Calderón, de centro-direita, apenas porque não está preocupado com as reformas estruturais que Fox não conseguiu executar; a mais comentada delas, a de energia. Até hoje, a estatal Pemex é quem controla a atividade petrolífera no México, sendo responsável por 33% da receita do governo. Porém, ela não tem conseguido investir mais. Fox pretendia abrir o setor para investimento estrangeiro mas não chegou nem perto disso. Agora os mexicanos andam bastante interessados no que é feito no Brasil, na Petrobras, e na ¿abertura¿ do nosso mercado.

No Legislativo, tudo indica que o Congresso deverá ser retalhado pelos principais partidos. Nele, o tradicional PRI segue com força, com cerca de 35%, PAN e PRD devem ficar com cerca de 30% cada um. Isso só demonstra que, seja quem governar, caso queira efetivamente fazer os câmbios prometidos no governo anterior, precisará negociar bastante; ou ter agendas semelhantes.

Todos os três candidatos têm programas e preocupações em comum: maior crescimento da economia, menor desemprego, redução da violência. E o tema que move corações e mentes mexicanas, num país com uma diáspora de 10 milhões de habitantes: a emigração.

¿ Temos que decidir o que fazer com isso, afinal não queremos mais subsidiar mexicanos para os Estados Unidos. Estamos exportando pessoas com oito anos de escolaridade, vacinas tomadas. Algo terá que ser feito.