Título: UM PROGRAMA ESPACIAL DE PIRES NA MÃO
Autor: Roberta Jansen
Fonte: O Globo, 07/04/2006, O Mundo / Ciencia e Vida, p. 50

Com orçamento de apenas um décimo do necessário, Rússia vende caro viagens ao espaço para arrecadar dinheiro

MOSCOU. Falar sobre a atual penúria do programa espacial russo chega a ser motivo de constrangimento num país em que os cosmonautas são tratados como heróis e em que menções às glórias da conquista espacial estão por toda parte. Sobretudo quando o assunto é o turismo espacial, algumas vezes chamado de ¿cooperação científica bilateral¿, como no caso da parceria com o Brasil para o lançamento de Marcos Cesar Pontes.

Com um orçamento anual que varia de 2 a 3 bilhões de rublos (de US$74 milhões a US$111 milhões) ¿ a décima parte do que os especialistas consideram necessário e muito menos do que nos tempos da União Soviética e da Guerra Fria ¿ o programa espacial russo está vendendo tudo o que pode para arrecadar um trocado. E tudo é caro.

Naves Soyuz são única ligação com a ISS desde 2003

Com o cancelamento dos vôos dos ônibus espaciais americanos para a Estação Espacial Internacional, as Soyuz russas estão responsáveis pelo trajeto desde 2003. A tripulação, invariavelmente, tem uma composição fixa: um russo, um americano e alguém que pague para subir.

¿ Para nós é quase a mesma coisa se é um turista mesmo ou não ¿ afirma o cosmonauta Valery Kubasov, veterano de três viagens espaciais, que atualmente trabalha como consultor. ¿ Os turistas sempre puderam fazer experiências. Claro que, no caso do brasileiro, ele está fazendo mais experiências e, claro também, não está pagando do próprio bolso. Mas do nosso ponto de vista é a mesma coisa. A preparação dele é a mesma.

É verdade que Pontes é formado astronauta pela Nasa, onde se preparou por sete anos. Mas para o vôo que realizou, a rigor, poderia não ter qualquer qualificação desse tipo que os russos o teriam levado do mesmo jeito. Desde, claro, que o governo brasileiro pagasse os US$10 milhões previstos no contrato e ele seguisse o treinamento padrão na Cidade das Estrelas. Na verdade, não existe uma cooperação científica Brasil-Rússia, mas sim um negócio. A única contrapartida do Brasil é o pagamento, como atesta a cosmonauta Svetlana Savitskaya, deputada pelo Partido Comunista, ao falar sobre o interesse russo na suposta parceria.

¿ Bem, em primeiro lugar, o Brasil está pagando e está pagando bem. E, infelizmente, isso é muito importante, já que nosso orçamento hoje é dez vezes inferior ao que deveria ¿ sustenta Svetlana. ¿ Se não fosse isso, não estaríamos lançando turistas ou astronautas de outros países. O ideal seria que estivéssemos lançando médicos e cientistas porque há muito trabalho científico a ser feito. Mas, infelizmente, precisamos fazer isso agora.

Ela faz questão de frisar, no entanto, que Pontes tem um programa científico a cumprir na estação e que não é como um turista ¿que vai só por divertimento¿.

Astronautas russos: viagem é importante para o Brasil

Tanto Kubasov quanto Svetlana acreditam que o lançamento de um astronauta brasileiro, por mais simbólico que seja, é importante para o país do ponto de vista de seu desenvolvimento científico.

¿ É um grande passo para o Brasil, sobretudo se lembrarmos que o século XXI é apontado como o século aeroespacial e da informática. E a Rússia sempre teve interesse em programas de cooperação com outros países ¿ diz Kubasov, para em seguida admitir: ¿ Mas é claro que é muito caro, claro que os astronautas estrangeiros são financiados e isso contribui muito para a nossa cooperação.

Svetlana, que já esteve no Brasil como deputada, aponta as vantagens do lançamento de um astronauta:

¿ O Brasil é um grande fabricante e exportador de aviões militares. Tem uma indústria aeronáutica desenvolvida e um bom treinamento de pilotos. Lançar um astronauta é um passo lógico. É um passo simbólico, mas é muito importante. O país faz parte agora do clube dos países aeroespaciais. E vale lembrar que não estamos falando apenas do lançamento: há uma cooperação científica e militar.

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