Título: Retirar o biombo
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 08/04/2006, O GLOBO, p. 2

A última desfeita do plenário da Câmara ao Conselho de Ética, absolvendo o deputado João Paulo Cunha, detonou a onda de renúncias que o presidente do órgão, Ricardo Izar, não conseguiu conter. Esta crise, diz o deputado Carlos Sampaio, um dos renunciantes, tem que produzir algo mais que a troca de nomes. No mínimo, a aprovação da emenda que acaba com o voto secreto, biombo para a impunidade.

Na quinta-feira, os nove renunciantes prometeram aguardar a conclusão dos processos de José Janene e Vadão Gomes. Ontem, entretanto, seis já haviam confirmado oficialmente a renúncia, irritando Izar, que os acusou de ¿fugir da raia¿.

¿ Não se trata disso. Fiz as contas e vi que estes dois processos ainda vão demorar muito. Minha indignação não me permitiria assistir a mais uma absolvição na condição de membro do Conselho. O plenário joga fora nosso trabalho com a maior desfaçatez. E não venham dizer que o Conselho é corredor da morte, programado para condenar. Nos dois casos em que não encontramos provas, os de Pedro Henry e Sandro Mabel, recomendamos a absolvição. Uma casa legislativa não é um clube de amigos nem deve julgar biografias, mas sim fatos. E são fatos o que apresentamos ¿ diz Carlos Sampaio.

As renúncias, diz ele, servem de advertência aos líderes. Não podem eles se limitar a indicar novos nomes. Se estiverem percebendo o significado do episódio, porão imediatamente em votação a emenda que acaba com o voto secreto dos deputados.

Na solidão da cabine, sabendo que seu voto jamais será revelado, o deputado se sente à vontade para agir como amigo ou aliado, e não como juiz, votando contra cassações apesar dos fatos apontados pelo Conselho de Ética. Aliás, muito antes da crise do mensalão o plenário desta legislatura já havia mostrado sua indisposição para julgar os pares quando deu 150 votos contra a cassação do deputado André Luiz. E contra ele haviam provas de ter cometido crime de extorsão, na esteira da CPI da Alerj sobre o caso Waldomiro/Loterj. Dias atrás Aldo Rebelo, presidente da Câmara, pôs em discussão, na reunião do Colégio de Líderes, a proposta de se votar a emenda que acaba com o voto secreto. Seguiu-se um silêncio incômodo, em sinal de desaprovação. Ele promete voltar ao assunto agora, mas a decisão tem que ser dos líderes.

Outra mudança que Sampaio acha urgente, e que poderia ser adotada agora, diz respeito às suas prerrogativas. O Conselho não pode quebrar sigilos, convocar testemunhas, requisitar diligências a órgãos como a Polícia Federal ou o TCU. As CPIs podem tudo isso e até decretar prisões. Testemunhas, o Conselho pode apenas convidar, mas elas não são obrigadas a comparecer.

¿ No caso dos mensaleiros, nos valemos dos dados obtidos pela CPI dos Correios. Mas quando formos julgar um caso sobre o qual não houve CPI, como faremos? O Conselho precisa de instrumentos, de estrutura e prerrogativas ¿ diz Sampaio.

Se depender da maioria silenciosa do plenário, nem uma coisa nem outra serão aprovadas. Há uma grande antipatia pelo Conselho. Por isso, se os deputados não querem mesmo julgar seus pares, uma terceira proposta também deve ser discutida: a de se transferir para o STF o julgamento de delitos parlamentares. Ali, pelo menos, prevalecerá o argumento técnico contra o coleguismo e os acordos.