Título: Gastos nas alturas
Autor: Luiza Damé e Regina Alvarez
Fonte: O Globo, 08/04/2006, O País, p. 3

Em ritmo de campanha, Lula anuncia pacote que dá até aumento real para aposentados

Aseis meses das eleições, o governo organizou uma solenidade no Palácio do Planalto para, em ritmo de campanha, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva formalizar o anúncio já feito no dia anterior de mais uma medida que eleva os gastos públicos: aumento de 5% para 8,2 milhões de aposentados e pensionistas que recebem mais de um salário-mínimo, antecipado para 1º de abril. O reajuste representa um ganho real de 1,5% (acima da inflação) e foi comemorado por entidades de aposentados e pensionistas que acompanharam a solenidade no Palácio do Planalto. Para especialistas em contas públicas, porém, o aumento real é medida eleitoreira e agrava o déficit da Previdência.

A equipe econômica era contra um reajuste acima da inflação para aposentadorias acima de um salário-mínimo, mas foi derrotada pelos ministros que defendiam a medida, em especial o do Trabalho, Luiz Marinho.

Para especialistas, o aumento real poderá reforçar nos mercados a percepção de que os gastos públicos estão fugindo do controle. O economista Raul Velloso considera que reajustes reais para aposentadorias fogem da prática internacional e inviabilizam qualquer sistema previdenciário.

¿ Não faz sentido conceder aumento real para aposentadorias. A maioria dos países corrige pela inflação esses rendimentos, apenas para manter o poder de compra dos aposentados. Não há sistema previdenciário que agüente aumentos reais, em especial um sistema como o nosso de repartição simples, onde os trabalhadores da geração atual financiam a geração anterior ¿ diz o economista.

Velloso considera mais preocupante do que o impacto do reajuste este ano o sinal que a decisão embute no médio e no longo prazos.

¿ É péssimo para as contas públicas, pois foi rompida a regra de reajustes com base na inflação. A partir de agora, a pressão por reajustes reais deve aumentar ¿ prevê.

Para o economista Fábio Giambiagi, do Ipea, o governo perdeu a oportunidade de compensar parte do impacto do reajuste real do mínimo com a correção das aposentadorias acima do mínimo apenas pela inflação. O economista calcula que o ganho real embutido no reajuste de 5% das aposentadorias é de 2%, considerando uma inflação de 11 meses medida pelo INPC (o reajuste foi antecipado em um mês). Maior, portanto, do que o projetado pelo governo, de 1,5%.

¿ O problema é que todo ano tem algum gasto a mais e o efeito desses gastos ao longo do tempo é muito preocupante para as contas públicas ¿ observa.

Giambiagi e o economista Armando Castelar dedicaram um capitulo inteiro do livro "Rompendo o marasmo", que estão lançando esta semana, para analisar e propor saídas para a crise da Previdência. O economista do Ipea considera indispensável um novo ciclo de reformas nessa área e propõe, entre outras medidas, a desvinculação do reajuste do mínimo das aposentadorias e pensões do INSS.

Essa proposta foi levada a debate nas duas vezes em que o Congresso fez mudanças no sistema previdenciário nos últimos dez anos. Mas, diante da pressão das associações organizadas de aposentados, os políticos sempre resistiram a aprovar a desvinculação.

No relatório de avaliação de receitas e despesas do primeiro bimestre, encaminhado ao Congresso na semana passada, os Ministérios da Fazenda e do Planejamento já estimam um aumento de R$5,7 bilhões no déficit da Previdência em relação à previsão original do Orçamento. Isso sem considerar o aumento real concedido a aposentadorias e pensões acima do mínimo. Esse reajuste terá um impacto adicional de R$1 bilhão nas contas da Previdência.

Na solenidade de ontem, Lula disse que 1,5% de aumento real é pouco, mas lembrou que já fez greves e voltou a trabalhar sem ganhar nada de aumento e ainda viu colegas serem demitidos.

¿ É verdade que 1,5% de aumento real é pouco. Mas é verdade também que nós já fizemos tantas greves e não conseguimos nem 1,5%, voltamos a trabalhar de mão abanando, e ainda perdemos dias, perdemos férias, décimo-terceiro e vendo milhares de companheiros perder o emprego ¿ disse Lula.

Na solenidade, que teve a participação de oito ministros, o presidente também anunciou a antecipação do pagamento de 50% do 13º salário dos aposentados e pensionistas do INSS para setembro. Até o ano passado, o 13º era pago integralmente em dezembro. A medida beneficiará cerca de 24 milhões de pessoas. Os demais aposentados e pensionistas tiveram os benefícios reajustados juntamente com o salário-mínimo, que passou de R$300 para R$350 em 1º de abril.

No pacote para os idosos também está a reserva de vagas gratuitas e desconto de 50% no transporte coletivo interestadual para pessoas com mais de 60 anos e renda de até dois salários-mínimos. O ministro da Previdência, Nelson Machado, esclareceu que a comissão formada por integrantes do governo e das entidades de aposentados vai negociar com as empresas de ônibus o cumprimento da medida. Também está no pacote a prioridade do idoso na aquisição de imóvel para moradia própria nos programas habitacionais públicos ou financiados por recursos públicos.

As medidas anunciadas por Lula foram fruto de um acordo com as entidades de aposentados ligadas à Força Sindical, à Central Única dos Trabalhadores (CUT) e à Central Geral de Trabalhadores (CGT). Também faz parte do pacote para idosos a expansão do programa Farmácias Populares para as entidades representativas de aposentados e pensionistas.