Título: DIVÓRCIO, POLIGAMIA E AMOR LIVRE
Autor: D. EUGENIO SALES
Fonte: O Globo, 08/04/2006, Opinião, p. 7

Nas suas duas visitas pastorais ao Rio de Janeiro, o Papa João Paulo II nos deixou preciosos ensinamentos sobre a família. Esta foi também alvo de sua solicitude de Pastor Supremo na terceira vinda ao Brasil. Ultimamente presenciamos, com freqüência, o surgimento de graves distúrbios sociais que têm suas raízes no enfraquecimento da instituição familiar. Reconhecemos esses males que afligem os indivíduos e a sociedade, e os remédios que não são administrados. Às vezes tentam justificá-los pelo direito à liberdade ou por uma interpretação subjetiva da Lei de Deus.

Muito úteis e mesmo necessárias, em nossos dias, as palavras de João Paulo II, que exigem seja a família ¿ e, particularmente, a família cristã ¿ respeitada, pois constitui a essência da sociedade e da comunidade eclesial. Sem ela não pode haver um organismo social sadio.

Ouve-se, por vezes, a afirmativa de que os males previstos e anunciados em conseqüência da introdução do divórcio no Brasil não ocorreram. Que a Igreja, com sua campanha em defesa da indissolubilidade do matrimônio, equivocou-se ao alertar para prejuízos que adviriam à família e à nossa Pátria. Hoje, passados 29 anos da Emenda Constitucional, admitida através de modificação do quórum exigido, a fim de possibilitar a alteração planejada, acredito que o fato produziu grave dano à vida brasileira. Quem lê, sem preconceito, a obra do Padre Leonel Franca (¿O divórcio¿), poderosa em sua argumentação e atual nas conclusões dos dados coletados, há de reconhecer o desacerto de tal medida.

O assunto tem suas raízes na decomposição moral da sociedade. Como se ampliou o subjetivismo, a verdade deixou de ser, para muitos, algo de imutável, fundamentado em Deus. Passou a ser construção do próprio homem, de modo subjetivo e no foro íntimo da consciência de cada um. À luz desse raciocínio se desvalorizaram normas e conceitos básicos. Prevalece o ambíguo argumento do direito à felicidade pessoal, mesmo em detrimento da prole e da instituição familiar.

Quanto aos filhos, é evidente o trauma causado pela substituição de progenitores. A solução para o mau exemplo das rixas domésticas é outra que não o rompimento. O matrimônio pede um esforço de mútuo entendimento, de contínuo empenho na construção do lar e o abnegado sacrifício em favor da indissolubilidade do casamento. Diz o Concílio Vaticano II (¿Gaudium et Spes¿, nº 47): ¿A dignidade desta instituição não resplandece em toda parte com igual brilho. Encontra-se obscurecida pela poligamia, pela epidemia do divórcio, pelo chamado amor livre e outras deformações.¿

A conseqüência negativa da anulação do vínculo legal é a desvalorização progressiva da instituição. Cresce o número dos que se unem à margem da lei e do sacramento. Alegam: ¿Por que casar no civil se frágil é o vínculo que nos liga?¿

Se o número de divórcios não aumentou de modo galopante, nem por isso se pode deduzir que este instituto tenha perdido a sua virulência. Pelo contrário. Por essa e outras razões se operou uma fértil e maligna metamorfose: proliferou em variantes diversas que vão das relações eventuais até ao concubinato, passando por variadas categorias de ¿amizades coloridas¿.

O que até aqui afirmamos nos leva a algumas considerações: estava certa a Igreja quando nos advertia para os males da introdução do divórcio no Brasil. As barreiras foram vencidas com o desaparecimento de Monsenhor Arruda Câmara. Faltou a muitas comunidades eclesiais o mesmo ardor manifestado, por exemplo, na defesa dos direitos humanos, da reforma agrária e de outros temas sociais. A anemia religiosa debilitou as forças que deveriam lidar com afinco na proteção da santidade do lar. Afinal, o quórum na Emenda Constitucional facilitou a vitória dos propugnadores da tese divorcista.

O fato de ser aceita a supressão do vínculo matrimonial em quase todos os países não é sinal da verdade. Esta é fruto de princípios objetivos e não da quantidade de aderentes a uma causa. Outrora, mesmo que as separações ocorressem, conservavam o caráter da ilegalidade. A introdução do divórcio no Brasil ¿ pelo que seus promotores responderão diante de Deus ¿ tornou legal o que Cristo formalmente condenou.

Quem sofre as conseqüências do enfraquecimento do matrimônio é a família, berço educador dos cidadãos e célula fundamental da sociedade. Essa situação e a concomitante ausência de Deus na vida social são os principais motivos da violência e da agressividade, da delinqüência juvenil e da difusão alarmante do uso de drogas, fenômenos epidêmicos no ambiente em que vivemos. Quem procurar alhures outras causas estará fadado ao engano.

D. EUGENIO SALES é cardeal-arcebispo emérito da Arquidiocese do Rio.

A Igreja acertou ao advertir para os males da introdução do divórcio no Brasil