Título: FOCO NA QUALIDADE
Autor: EDY LUIZ KOGUT
Fonte: O Globo, 10/04/2006, Opinião, p. 7

Está em discussão no Congresso um projeto que institui reserva de 50% das vagas nas universidades federais para estudantes de escolas públicas e cria uma subcota para negros e índios. Faremos algumas reflexões sobre a qualidade do ensino, efeitos sobre a distribuição de renda e o crescimento econômico.

Sob a primeira ótica, vamos contar duas histórias: uma se passa em Petrópolis, outra em Nova York. Petrópolis ficou na primeira colocação no ranking do último Exame Nacional do Ensino Médio. Ao comentar o bom resultado das escolas públicas de Petrópolis, a secretária municipal de Educação mencionou que 34% dos alunos matriculados na rede municipal passaram antes por escolas particulares. ¿Esses alunos da classe média entram na sala de aula e puxam para cima os que sempre estudaram em escolas públicas.¿

A universidade municipal de Nova York era considerada até os anos 60 uma das melhores. No período 1933-54 se formaram lá nove futuros Prêmio Nobel. O critério de seleção no vestibular era o de desempenho, até que a pressão política derrubou este critério, sob o argumento de que a missão da universidade era ¿servir a todos os cidadãos¿. O resultado nos anos seguintes foi o colapso da qualidade de ensino. Em 1997, 70% dos alunos do primeiro ano não passaram nos testes de redação e leitura e de matemática (o nível do exame foi o do ensino médio). Esses e outros indicadores fizeram com que a escola voltasse a adotar o critério antigo. Os exemplos de Petrópolis e Nova York deixam claro que a seleção implica melhores alunos, o que possibilita maior qualidade no ensino.

Com relação à segunda ótica, de distribuição de renda, a fixação de cotas é realmente redistributiva. As perdas geradas por este sistema não são, porém, suficientes para justificá-las. Muitos bons alunos não cursariam as melhores faculdades, trazendo perdas de produtividade para o país no futuro.

Por fim, já existe bastante evidência que, no Brasil, o investimento no ensino básico traz melhores retornos que o no superior. Trabalhos recentes confirmam a tese de que países com o nosso nível de renda e estágio de tecnologia devem dedicar parcela substancial de recursos da educação ao ensino fundamental e médio.

Visto assim, o sistema de cotas não nos parece bom. Certamente o Brasil tem uma péssima distribuição de renda e do estoque de riqueza e educação. Como conseguir diminuir este problema de forma mais eficiente?

Na área da educação superior, a busca de caminhos fora do setor público parece promissora, desde que haja um monitoramento eficiente da qualidade. O Programa Universidade para Todos (ProUni), criado o ano passado, propiciou 112 mil bolsas de estudo a alunos e professoras da rede pública em instituições de ensino superior privadas. Os alunos são necessariamente originários de famílias pobres e selecionados através do seu desempenho no Enem. O Programa de Financiamento Estudantil (Fies) também se expandiu e caminha na mesma direção redistributiva. Em seis anos de funcionamento já beneficiou 325 mil alunos. Outro caminho, mais difícil politicamente, seria cobrar mensalidades nas universidades públicas daqueles que podem pagá-las. Afinal, nas universidades públicas, mais de 50% dos alunos são das famílias 20% mais ricas. Os recursos arrecadados seriam transferidos para o ensino médio. O gasto público neste segmento é de apenas 0,6% do PIB e esses recursos poderiam contribuir para sua melhoria.

EDY LUIZ KOGUT é reitor do Centro Universitário de Santo André.