Título: ONU ALERTA PARA VULNERABILIDADE DA AMÉRICA LATINA E `CRISES IMPORTADAS¿
Autor: Eliane Oliveira
Fonte: O Globo, 10/04/2006, Economia, p. 15

Cepal recomenda reformas e, ao Brasil, corte de impostos e controle de gastos

BRASÍLIA. Há duas semanas no centro de importantes debates internacionais ¿ como o Fórum Econômico Mundial, em São Paulo, e a reunião anual do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Belo Horizonte ¿ a América Latina vive um momento especial. Há altas sucessivas das exportações, crescimento do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto das riquezas produzidas por um país) por três anos consecutivos, inflação sob controle, quadro macroeconômico promissor. No entanto, segundo Jose Luis Machinea, secretário-executivo da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal, órgão da ONU), a região não está imune ao que chama de ¿crises importadas¿ e precisa crescer mais.

¿ A região seguirá crescendo, em parte porque o cenário externo é mais favorável. Isso não quer dizer que não haverá mais crises, em muitos casos importadas. Para isso, a América Latina precisa reduzir sua vulnerabilidade frente a choques externos ¿ disse Machinea ao GLOBO.

Uma alta excessiva de juros nos Estados Unidos, por exemplo, afetaria toda a região.

Machinea: distribuição de renda precisa melhorar

Para Machinea, diversas providências precisam ser tomadas para garantir um fluxo maior de investimentos para a região. Ele faz duas recomendações ao Brasil: a redução da alta carga tributária, atualmente acima de 37%, e a limitação dos gastos públicos, o que chama de microrreformas:

¿ A verdade é que a região está baixando a dívida pública em relação ao PIB, reduzindo a dívida externa e aumentando as reservas. Eu diria que a região está reduzindo sua vulnerabilidade. Mas só isso não basta.

Em sua opinião, é preciso alcançar consensos políticos, melhorar a distribuição de renda, dar mais transparência às ações do Estado. Ele acredita que, além do Brasil, outros países precisam de ajustes urgentes. O México, por exemplo, deveria permitir a participação do setor privado na área de energia, regular as telecomunicações e fazer uma reforma tributária.

¿ No Brasil foram feitas reformas que antes pareciam impossíveis. Agora, o país precisa limitar os gastos públicos. Essa consciência existe, mas até agora nada foi feito. E isso tira a competitividade na disputa por investimentos internacionais ¿ alertou.

Pensando nas eleições que vão acontecer este ano em vários países da América Latina, como no Brasil, Machinea cita outro elemento para que a fórmula do crescimento dê certo: manter as regras do jogo.

¿ Não importa se o vencedor é da direita, da esquerda ou do centro. A previsibilidade é a palavra-chave para uma boa imagem do país.

Na área social, ele disse que, no Brasil, os gastos em programas de transferência de renda são elevados frente aos países da região, com exceção de Cuba, Uruguai e Argentina, que investem mais nessa área em relação ao PIB. A taxa do governo brasileiro é de 19,1%.

¿ O Bolsa Família é o tipo do programa de transferência de renda que dá certo, pois ajuda a formar o capital humano. Programas como esse também são feitos por México, Honduras, Colômbia, Chile e Uruguai. Mas precisam ter transparência e continuidade ¿ afirmou.

Para secretário, investidores não temem as eleições

Duas avaliações recorrentes nos mercados internacionais em relação aos países latinos são rechaçadas por Machinea. A primeira diz respeito ao medo que alguns investidores teriam das eleições na região.

¿ Lembro-me do medo em relação ao presidente Lula, no fim de 2002 e, em seguida, a Tabaré Vázquez, no Uruguai. Os governos mostraram ser tanto ou mais responsáveis (que os anteriores) sob os pontos de vista fiscal e macroeconômico. Governo progressista não quer dizer populista. A responsabilidade fiscal se tornou um ativo.

Outro ponto é a comparação com a China, incorreta para ele:

¿ A China tem 1,3 bilhão de habitantes e uma capacidade de negociação que outros países não têm. Mas é um país que tem muitos problemas institucionais, inclusive de corrupção.

Machinea também afirmou que os países desenvolvidos poderiam ajudar mais as nações em desenvolvimento. Ele lembrou que os países do G-7 (os sete mais ricos do mundo) concordaram em investir 0,7% de seus PIBs em ajuda aos pobres, mas hoje só investem 0,25%. E disse que a situação piora ao se considerar os subsídios agrícolas: são US$280 bilhões anuais, quatro vezes mais que os US$70 bilhões por ano em ajuda aos países pobres.

¿ Eles têm uma dívida de mais de 500 anos conosco.