Título: ITÁLIA: 66,5 % VOTAM NO PRIMEIRO DIA
Autor: Vera Gonçalves de Araujo
Fonte: O Globo, 10/04/2006, O Mundo, p. 20

Berlusconi diz à mãe como votar e é repreendido pelo mesário. Prodi é considerado favorito

ROMA. Ao contrário de muitos outros países, os italianos gostam de votar. A tradição é a presença de alto número de eleitores e ontem, primeiro dia da votação (que vai até as 15h de hoje), 66,5% já tinham comparecido às seções eleitorais.

Para o primeiro-ministro conservador Silvio Berlusconi, o dia foi um dos mais difíceis de sua vida, em plena disputa com o opositor de centro-esquerda Romano Prodi nas eleições parlamentares. Um desafio que poderá encerrar sua carreira política. Prodi já o derrotou em 1996.

O primeiro dia eleitoral foi tranqüilo e ensolarado, em contraste com uma campanha amarga e os dias negros da economia italiana. A primeira pesquisa de boca-de-urna deve sair hoje e os resultados definitivos só na amanhã.

Italianos estão pessimistas em relação ao futuro

O único incidente no domingo aconteceu na madrugada, quando foram atirados três coquetéis molotov contra uma seção eleitoral na cidade de Vittorio Veneto, nas montanhas do norte da Itália. A polícia encontrou no local do atentado folhetos que criticam as duas coligações, de direita e de esquerda.

Romano Prodi, considerado pelas últimas pesquisas o favorito do pleito, votou em Bolonha e declarou:

¿ Espero que tudo aconteça com calma.

Berlusconi votou em Milão e ajudou sua mãe, Rosa, a votar. Foi criticado pelos mesários porque disse em voz alta à mãe para marcar a cruz no símbolo do seu partido, o Força Itália.

¿ Não posso dizer nada nem para minha mãe? ¿ perguntou Berlusconi.

As palavras-chaves das eleições italianas, segundo os comentaristas políticos, foram: impostos, crescimento zero, comunismo e coglione (imbecil, palavra usada por Berlusconi em relação aos eleitores da coalizão adversária). Segundo Lucio Caracciolo, diretor da revista de geopolítica ¿Limes¿, é preciso acrescentar: desespero, depressão e felicidade. No último número da sua revista, cujo o tema é ¿Itália levada a sério¿, ele explica melhor:

¿ A sensação é de que os italianos estão sem futuro. Existe o sentimento de que o nosso destino está escapando das nossas mãos e que podemos fazer muito pouco para impedir isto. O país caiu em depressão e as perspectivas não são otimistas.

Caracciolo lembra a ¿idade de ouro¿ italiana, época de paz, bem-estar e crescimento econômico, dos anos 60 aos 90 do século passado:

¿ Ela coincidiu com o sucesso da estratégia minimalista. Com a retórica de uma Itália feliz de ser pequena. A síntese foi feita pelo ex-presidente Francesco Cossiga, quando disse ¿a nossa política militar era a da Otan, a nossa política econômica era a da Comunidade Européia e a política ideológica era a da Igreja¿.

Agora o mundo globalizado quebrou essa ilusão. A tentativa de Berlusconi de recriar o clima das eleições de 1948 (quando a escolha era entre o comunismo e o Ocidente) parece uma forma de voltar à felicidade perdida. Para demonstrar que os italianos adoram reclamar de seu país, Caracciolo cita uma frase do escritor Carlo Emilio Gadda, que fala da ¿porca sarna italiana de falar mal de nós mesmos¿:

¿ Se precisamos nos vender, porque nos apresentar tão pouco atraentes ao comprador? E como podemos nos espantar se afinal ninguém nos quer ou no máximo nos deixa numa órbita periférica? ¿ diz.