Título: MP fecha o cerco ao valerioduto
Autor: Jailton de Carvalho
Fonte: O Globo, 09/04/2006, O País, p. 3

Procurador-geral decide oferecer denúncia contra maioria dos envolvidos no escândalo

Depois de quase um ano da mais abrangente e sigilosa investigação do Ministério Público, o procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, decidiu oferecer denúncia contra a maioria dos parlamentares e dirigentes partidários acusados de receber repasses de caixa dois do PT por intermédio do empresário Marcos Valério. Antônio Fernando e um grupo de três procuradores trabalham intensamente para concluir até o fim deste mês a peça de acusação que pode levar à cadeia empresários, doleiros e políticos que, até recentemente, gozavam de prestígio e influência nacional.

O escândalo do mensalão devastou o núcleo central do governo Lula, abriu uma crise sem precedentes no PT e atingiu duramente amplos setores do Congresso. Antônio Fernando tem evitado fazer comentários sobre o andamento da apuração, mas segundo um de seus interlocutores, o procurador-geral está elaborando uma denúncia de muito mais impacto que as acusações formuladas pelo deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) no relatório final da CPI dos Correios. O objetivo do procurador-geral é destrinchar as relações perigosas do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares com Marcos Valério e a base governista, e preparar as bases para punições exemplares dos envolvidos. Mas o procurador-geral encara o inquérito sobre o escândalo mais rumoroso do governo Lula como um desafio para provar que o Ministério Público sabe e pode investigar qualquer crime.

¿ Quando a denúncia for tornada pública, vai ficar claro que o Ministério Público investiga muito bem ¿ disse um dos auxiliares de Antônio Fernando.

Decisão irrita delegados da PF

Parte da denúncia terá como base as investigações da equipe de mais de 20 policiais federais coordenada pelo delegado Luiz Flávio Zampronha. Para a polícia, nas diversas ramificações do valerioduto foram encontrados indícios de caixa dois, corrupção, sonegação fiscal, crimes contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro, entre outros crimes. São informações que permitiriam a responsabilização criminal do ex-presidente do PT José Genoino, de Delúbio Soares e de Marcos Valério, além de outros políticos apontados como operadores do caixa dois petista.

Em depoimento ao Ministério Público e à PF, Valério disse que fez empréstimos da ordem de R$55 milhões no Banco Rural e no BMG a pedido de Delúbio e com o conhecimento de Genoino e do ex-ministro Dirceu. O dinheiro, não declarado à Receita Federal e à Justiça Federal, foi distribuído entre parlamentares e assessores da base governista. Mas, mesmo citado por Valério, Dirceu pode ficar de fora da denúncia. Os investigadores do caso consideram que os indícios recolhidos até o momento não seriam suficientes para levar Dirceu às barras dos tribunais, como propôs a CPI dos Correios.

Gestão junto ao BC deve ser apurada

A decisão de Antônio Fernando de oferecer denúncia contra os beneficiários do valerioduto antes da conclusão do inquérito da PF irritou os delegados encarregados de investigar o suposto mensalão. Para eles, Antônio Fernando está se precipitando e, com isso, corre o risco de deixar alguns braços do valerioduto sem a devida explicação. Para a polícia falta ainda demonstrar, com clareza, a origem do dinheiro e os reais interesses de Valério ao emprestar dinheiro e prestígio de suas empresas ao PT.

¿ Precisamos, por exemplo, investigar a gestão de petistas junto ao Banco Central nas negociações do Banco Mercantil ¿ disse um delegado.

Para a PF, antes de fazer a denúncia, o Ministério Público deveria aguardar o resultado da perícia que o Instituto Nacional de Criminalística vem fazendo na contabilidade do Banco Rural, do BMG e das agências de publicidade de Valério com a Visanet, administradora de cartão de crédito vinculada ao Banco do Brasil.

Um dos laudos da PF indica que pelo menos R$10 milhões de recursos de origem pública foram drenados para o valerioduto por intermédio de complicadas operações com a Visanet.

¿ Mas ainda falta muito ainda para chegarmos a uma conclusão definitiva sobre a origem de todo o dinheiro movimentado nesse esquema ¿ disse um perito diante de uma pilha de documentos ainda não analisados.

A polícia entende também que seria fundamental aprofundar as investigações sobre as relações de Valério com tucanos em Minas Gerais e com o PMDB do Distrito Federal. A PF trabalha com a hipótese de que Marcos Valério usava as agências de publicidade como lavanderias de dinheiro de diversos partidos políticos interessados em fazer movimentações financeiras longe da fiscalização da Receita e da Justiça Eleitoral. A PF critica também o relatório da CPI dos Correios sobre o suposto mensalão do PT para parlamentares da base governista.

As investigações sobre o mensalão começaram em maio do ano passado, quando o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) acusou o PT de distribuir mesadas para parlamentares votarem a favor do governo no Congresso. Segundo Jefferson, o dinheiro era entregue em espécie aos parlamentares e sacados numa agência do Banco Rural em Brasília. Valério e Delúbio Soares admitiram a existência do esquema mas alegaram ser caixa dois. Os beneficiários do esquema também alegaram que o dinheiro foi usado para pagar despesas de campanhas e outros gastos partidários. A CPI comprovou ter sido também dinheiro público desviado para compra de parlamentares.