Título: CARTAS MARCADAS
Autor:
Fonte: O Globo, 09/04/2006, Opinião, p. 6

Impulsionado pelos grupos de pressão que transitam em Brasília, o projeto de cotas raciais nas universidades públicas terminou aprovado, sem alardes, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, e quase foi despachado para a rodada final de votação no Senado. Não fosse a oposição recorrer ao presidente da Casa, Aldo Rebelo, um tema dessa importância para o país não iria ao plenário da Câmara dos Deputados, não seria debatido como deve.

Mesmo assim, ainda há o risco de o projeto ser votado sem que os parlamentares saibam de todas as implicações de se aprovar a revogação do mérito no ensino superior. Por isso, deve ser impedida, como querem alguns, a tramitação do projeto em regime de urgência. Nada justifica decidir o futuro da proposta de cotas a toque de caixa. Não há qualquer situação de emergência que requeira essa medida.

Esta semana, a Comissão de Educação da Câmara deverá escolher quem será convocado para debater o projeto, uma fase fundamental no processo de votação, quando os deputados terão a oportunidade de se informar sobre o tema, com a ajuda de especialistas. É crucial, portanto, que a comissão faça uma escolha equilibrada de nomes e instituições, para evitar qualquer viés, pró ou contra as cotas. Parece óbvio, mas não é, por causa dos interesses e dos lobbies que atuam no caso. Tanto que uma lista preliminar de possíveis convocados indicava uma evidente tendência favorável às cotas. Esse não pode ser um jogo de cartas marcadas.

Há muita ideologia e emoção envolvidas na questão. Por isso, para garantir a imprescindível dose de racionalidade na decisão do Congresso, o tema tem de ser debatido à exaustão por todas as partes envolvidas, igualitariamente representadas.

Na verdade, o grande erro é a Câmara colocar na pauta um projeto como esse em ano eleitoral. A proximidade das urnas torna os políticos em geral mais abertos a propostas demagógicas, como a das cotas raciais. Não há quem seja contra ações a favor dos pobres e menos favorecidos. Mas o caso das cotas não é de simples distribuição de dinheiro público. Ele envolve uma área estratégica como a educação, da qual depende a viabilidade do país como nação desenvolvida e justa, uma atividade que não pode ter o futuro comprometido por votações no Congresso contaminadas por uma campanha eleitoral.