Título: SOMBRAS PERUANAS
Autor:
Fonte: O Globo, 09/04/2006, Opinião, p. 6

Alberto Fujimori é a grande ausência das eleições de hoje, em que os peruanos escolhem o sucessor de Alejandro Toledo. Sua tentativa de sair do exílio para candidatar-se a um novo mandato terminou folcloricamente no Chile, onde aguarda, numa prisão de Santiago, o resultado de um pedido de extradição feito pela Justiça do Peru ¿ que o acusa de desvio de dinheiro público e violação de direitos humanos.

A marginalização de Fujimori do processo eleitoral é uma bênção para os peruanos. Ele pertence a uma fase da vida continental que não deixou saudades. Seu primeiro governo teve triunfos inegáveis, como a neutralização do Sendero Luminoso, que aterrorizava o país. Mas, acumpliciado com figuras inescrupulosas como Vladimiro Montesinos, enredou-se em esquemas de enriquecimento ilícito e perpetuação no poder, encarnando males crônicos do continente: o populismo autoritário, muito vivo em demagogos como Hugo Chávez, da Venezuela; e a corrupção institucionalizada que sangra os recursos financeiros e as reservas morais das democracias.

E quem são os favoritos na eleição de hoje? Ollanta Humala é o predileto das camadas menos favorecidas. Suas credenciais de coronel reformado são tenebrosas; e seu respeito pela democracia ficou claro no Putsch que encabeçou contra Fujimori em 2000. Apresenta propostas parecidas com as de Chávez e Evo Morales, da Bolívia: fortalecimento do controle de setores básicos da economia pelo Estado, revisão das privatizações do governo Toledo, legalização da produção de coca e reforma da Constituição para refundar o Peru.

Outro candidato forte é o ex-presidente Alan García. Um governo seu, apesar da máscara de modernidade, seria uma brusca viagem de volta a um passado de miséria e incertezas ¿ com inflação de 7.000% ¿ que resultou no decênio Fujimori-Montesinos.

A julgar pelas pesquisas, muitos se dispõem a arriscar em Lourdes Flores, que à distância parece o voto mais sensato. Pelo menos no discurso, está afinada com a globalização e a economia de mercado ¿ e, diante das calamidades que os outros claramente representam, tem a vantagem de ser uma incógnita.