Título: Sem-terra favelizam margens de rodovias
Autor: Leticia Lins
Fonte: O Globo, 09/04/2006, O País, p. 12

Ocupação é cada dia mais grave no Nordeste e até posto de fiscalização é tomado em estrada de Pernambuco

BEZERROS (PE). Para tentar driblar a medida provisória 2183/2001, editada para inibir as invasões, os sem-terra estão provocando novo fenômeno no Nordeste: a favelização das margens de rodovias federais e estaduais que cortam a região. A mudança na paisagem pode ser observada em estados como Rio Grande do Norte, Ceará, Paraíba e sobretudo Pernambuco, onde 16 movimentos fazem invasões na Zona da Mata, no Agreste e no Sertão. Os barracos tanto ponteiam as áreas de domínio de rodovias movimentadas ¿ como a BR 232 e a BR 101 ¿ quanto estradas estaduais e vicinais.

O Incra atribui a ocupação das rodovias à nova estratégia dos movimentos para driblar a MP 2183, que determina ao Incra que propriedades ocupadas só possam ser vistoriadas para fins de reforma agrária dois anos após a desocupação:

¿ A MP não resultou no que o governo pretendia, que era a desmobilização dos movimentos sociais. Eles até se fortaleceram. Apenas mudaram a forma de atuar, ocupando áreas municipais, estaduais ou federais próximas às propriedades que reivindicam para reforma agrária ¿ afirma Maria de Oliveira, superintendente do Incra.

A favelização, para ela, tem outra explicação:

¿ Com a MP, os processos de desapropriação estão mais demorados.

Em Moreno, a 39 quilômetros da capital, até um posto de fiscalização foi ocupado e a balança que deveria ser usada para pesar mercadorias não pode funcionar por causa da presença dos sem-terra. É que os anéis de acesso da BR 232 até o local estão tomados de cabanas e casebres. O prédio antes destinado ao posto fiscal hoje lembra mais um cortiço urbano, onde moram cinco famílias.

Ao redor do posto fiscal há 116 outras famílias ligadas ao MST morando em cabanas de plástico, em casas de taipa ou até tijolo. À medida que aumenta o tempo do acampamento, os sem-terra vão tratando de dar aspecto permanente às suas toscas habitações. E enquanto permanecem no local pedindo a desapropriação do vizinho engenho Caixito, o Dnit planeja acionar a Justiça Federal em defesa da reintegração de posse daquele trecho do rodovia. Segundo o supervisor de Operações da Quarta Unidade de Infra-estrutura Terrestre do Dnit, Emerson Valgueiro de Morais, apenas quatro das 13 rodovias federais do estado não enfrentam o problema. Ele informou que em todas a área de frenagem (segurança no jargão dos especialistas em segurança rodoviária) não é respeitada e que caso essas ocupações demorem, o governo federal terá mais problemas quando quiser ampliar ou duplicar algumas dessas estradas, cujas faixas de domínio ¿ laterais das rodovias ¿ variam de 25 a 40 metros.

¿ No quilômetro 39 da BR 232 está a situação mais crítica, porque até o antigo posto de pesagem está tomado. Mas acredito que a campeã de ocupações em áreas de domínio do DNIT seja a BR 101 ¿ afirma Morais, referindo-se à rodovia que corta a região canavieira, uma das áreas de maior tensão social no estado.

É ali que se trava uma acirrada luta pela terra, onde nos últimos 15 anos foram fechados 170 mil postos de trabalho nos engenhos de cana-de-açúcar. Só nessa rodovia há cinco acampamentos de sem-terra. E eles se repetem em outras estradas, como a 408, a 110 e a 423.

Os acampamentos não são só do MST, o movimento mais ruidoso. São ligados também a sindicatos, por meio da Federação dos Trabalhadores de Agricultura de Pernambuco (Fetape). E a grupos mais recentes, como a Federação de Trabalhadores da Agricultura Familiar (Fretaf), que no estado incorporou a OLC (Organização de Luta no Campo). Ou a segmentos menores, como o Movimento dos Trabalhadores Brasileiros Sem Terra (MTBST), cujos militantes mal lembravam a sigla e que dispunham apenas de uma bandeira em farrapos para marcar território à margem da BR 232, em Bezerros, a 107 quilômetros de Recife. Segundo o Departamento Estadual de Estradas de Rodagem (DER) o fenômeno também é facilmente observado nas estaduais que cortam a região açucareira.

¿ Dos 168 acampamentos, pelo menos 25 estão nos acostamentos de rodovias federais ou estaduais. E o motivo é a MP mesmo, porque se não fosse ela nós estaríamos nas áreas que reivindicamos ¿ diz Doriel Saturnino, diretor de Política Agrária da Fetape, que mantém 168 acampamentos no estado, com 10.700 famílias, cerca de 53.500 pessoas morando sob a lona.

Acampamentos até no Sertão

Dois dos acampamentos da Fetape estão na BR 232, em São Caetano, a 153 quilômetros de Recife, e na BR 101, em Ribeirão, a 87 quilômetros da capital. O primeiro fica no Agreste e o segundo na Zona da Mata. Mas Doriel informa que também existem no sertão, inclusive em rodovias estaduais.