Título: GOVERNO TENTA VOTAR PROJETO DAS COTAS MAS ASSUNTO DIVIDE PARLAMENTARES
Autor: Demétrio WEber
Fonte: O Globo, 09/04/2006, O País, p. 15

MEC aposta na aprovação na Câmara mas teme resultado no Senado

BRASÍLIA. Dizendo-se convencido de que ganhará a votação na Câmara, o governo tenta quebrar as últimas resistências para levar ao plenário o projeto que cria cotas para estudantes de escolas públicas, negros e índios nas universidades federais. A proposta poderia ter sido votada na semana passada, como haviam acertado líderes governistas e de oposição em encontro com o ministro da Educação, Fernando Haddad, em 28 de março. Mas a crise política atropelou o acordo e o impasse em torno da reserva de 50% das vagas impediu até mesmo que a Comissão de Educação aprovasse uma audiência pública para discutir o assunto.

¿ A proposta é boa e já está madura para ser votada. O sistema de cotas vai existir ¿ diz a deputada Iara Bernardi (PT-SP), que relatou o projeto na Comissão de Constituição e Justiça.

¿ Há o sentimento na Casa de que o assunto não foi suficientemente discutido. É algo que afeta radicalmente o ensino superior brasileiro e precisa de mais tempo para amadurecer ¿ rebate o deputado Gastão Vieira (PMDB-MA), ex-presidente da Comissão de Educação.

Embora aprofunde o debate, a audiência pública acabou servindo de pretexto para retardar a votação. O acordo de líderes havia estabelecido um roteiro antes de submeter a proposta ao plenário: aprovação do regime de urgência, discussão do tema com especialistas e a votação, inicialmente prevista para a última terça-feira. Agora a presidente da Comissão de Educação, deputada Neide Aparecida (PT-GO), trabalha com a hipótese de fazer um seminário só no dia 18. Mas antes será preciso aprovar requerimento nesse sentido em reunião marcada para quarta-feira.

¿ A idéia é fazermos três mesas, começando de manhã e terminando no fim da tarde. Havia a sugestão de reservarmos dois dias para o seminário, mas achamos que não é necessário, até porque não estamos começando a discussão ¿ diz Neide.

¿ A audiência é faz-de-conta. A coisa vai ser decidida em plenário ¿ diz Gastão Vieira.

Dificuldade até para marcar audiência pública

Haddad estava no Japão na semana passada e não pôde interferir para tentar acelerar a votação. Embora aposte que vencerá em plenário, o MEC sabe que não será fácil chegar lá. Na última quarta-feira, a mera tentativa de marcar a data da audiência pública durou mais de duas horas, sem sucesso. No dia seguinte, faltou quórum.

Mais do que o apoio dos movimentos sociais e o apelo das cotas sobre parte do eleitorado, o que dá segurança ao governo para enfrentar o plenário é saber que o setor privado de ensino superior não se opõe à proposta. O MEC sabe que a bancada do ensino particular teria força para brecar ou alterar muito a proposta. O setor, porém, está dividido: donos de escolas de ensino médio e cursinhos pré-vestibular são contrários às cotas e ameaçam recorrer ao Supremo Tribunal Federal caso o projeto seja aprovado.

Reservadamente, no entanto, donos de universidades gostam da perspectiva de atender o contingente que deixará de ingressar todo ano nas federais por causa da reserva de vagas. Estudantes de escolas particulares e filhos de famílias de classe média, um filão que paga em dia e poderá preencher vagas ociosas nas instituições particulares. O projeto dá prazo de quatro anos para as universidades se adaptarem, mas o MEC já negociou com reitores e a União Nacional dos Estudantes para estender o período para seis anos. A alteração deverá ser feita por emenda em plenário.

O projeto de cotas já poderia ter ido para o Senado, não fosse o recurso apresentado pelo deputado Alberto Goldman (PSDB-SP), que exigiu a votação em plenário. De início, bastava a aprovação nas Comissões de Educação, Direitos Humanos e Constituição e Justiça, o que acabou ocorrendo. Mesmo que passe em plenário, o teste mais duro, na avaliação do MEC, será o Senado.

Os argumentos sobre a adoção das cotas podem ser divididos, de modo geral, da seguinte forma: quem é a favor diz que o Brasil tem uma dívida social com pobres, negros e índios e que a reserva de vagas é uma saída emergencial, com duração de dez anos. Quem é contra argumenta que o mérito deve prevalecer sobre qualquer outro critério no acesso ao ensino superior e que o governo deveria investir para melhorar a qualidade da educação básica.

A deputada Raquel Teixeira (PSDB-GO), ex-secretária da Educação de Goiás, defende mudanças no projeto de lei na tentativa de aliar a facilidade de acesso com critérios mais exigentes de seleção. Ela cita o exemplo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que dá a alunos da rede pública uma pequena pontuação extra no vestibular:

¿ É possível combinar resgate da igualdade com mérito.